O conceito de que a disciplina pode garantir a liberdade vem caindo em desuso, pelo menos no Brasil. A impunidade está virando uma doença epidêmica e vem determinando o esvaziamento dos conceitos de moral, de compaixão, de bons costumes e de cidadania. Houve um tempo no qual a criança começava a ser educada ainda no berço. Hoje, em inúmeras famílias, os filhos começam a determinar suas vontades sobre pais omissos ainda antes da fala. Logo em seguida acabam depositados em creches mal preparadas e esvaziadas do carinho e da disciplina dos lares para que os seus progenitores vendam suas parcas forças de trabalho. Depois vão para as escolas e continuam determinando suas mazelas emocionais sobre os professores que deveriam formá-los, mas que acabam gastando o tempo precioso das aulas tentando suprir a ausência de educação que deveria ter sido construída no convívio com os pais. E são eles, os professores, as primeiras grandes vítimas da sociedade da impunidade, além é claro, das próprias crianças que já chegam na escola deterioradas pela ausência de padrão moral e aliciadas pela avalanche de imoralidades que assimilam nas músicas de baixo calão, nos programas televisivos popularescos, nas baladas que embalam sexualidades esdrúxulas e na brutal porta para a solidão que representam as telas e os teclados dos computadores.
E como se fossem frutos de um desmanche social amplo, dentro das escolas, essas crianças e jovens descobrem rapidamente que lá também não precisam seguir regras, leis, normas, costumes. Percebem que estudando ou não, são sempre promovidas. Tendo caderno ou não, são sempre promovidas. Tendo frequência ou não, são sempre promovidas. Tendo respeito com os colegas e professores ou não, são sempre promovidas. Enquanto isso, a sociedade não se pergunta quais serão os efeitos futuros (e o futuro já chegou) dessa promoção automática que cria aberrações sociais desqualificadas de formação sistematizada e inviabilizadas para um convívio social pleno que os façam, de fato, cidadãos. A aula macabra (imposta pelos governos) que as nossas instituições constroem em nossos jovens é a da impunidade atrelada a um tipo escroto de irresponsabilidade e esvaziamento de alma.
Pois bem. Os antigos diziam que quem não escuta os pais e os professores, acabará tendo que escutar o delegado. Porém, a impunidade é tamanha, que nem mesmo os delegados, acredito, estão sendo escutados. As nossas leis inócuas impedem não apenas as ações das escolas (que são impedidas de avaliar as crianças e jovens) e dos pais (que são impedidos de colocá-los em um trabalho ainda que como aprendizes), mas também impedem as ações da polícia e do poder judiciário. O resultado é um analfabetismo intelectual e funcional crônico e uma sociedade com um medo incondicional, dentro ou fora das casas. O cidadão de bem cumpre a pena de não poder ir, vir ou ficar em paz em lugar algum. Enquanto isso, a criminalidade passeia impune gargalhando sobre os nossos medos.
Agora, além das agressões verbais, os professores, diretores e demais funcionários das escolas, também estão sendo agredidos fisicamente e está virando moda. Em contrapartida, vários estados da nossa pátria mãe gentil já não possuem professores em quantidade suficiente para suprir as salas de aula em decorrência do fato de que quase ninguém mais quer exercer essa função que no passado brasileiro já foi reverenciada e em alguns países mais evoluídos ainda é.
Possivelmente, o que mais nos aterroriza é sabermos as consequências para qualquer pátria que não valoriza o professor e talvez também saibamos quem são os culpados. Somos um país com 513 deputados federais e 81 senadores, todos com salários exorbitantes, mas que entretanto alimentam uma morosidade intensa, uma incapacidade extrema de análise dos problemas emergenciais que afetam a nação a curto, médio e a longo prazo e acima de tudo há a falta de coragem política ou de interesse para viabilizar as várias reformas profundas que a nossa República tanto necessita.
E enquanto a sociedade espera, vai contando os mortos e passando a mão na cabeça de crianças mal educadas e mal formadas que recebem diplomas falsos apenas para mascarar os índices vexatórios que somos obrigados a apresentar para o primeiro mundo fazer de conta que o imperialismo neoliberal nos vigia para que tenhamos uma juventude pensante.
Paulo Franco
Texto Publicado na Revista Mais Conteúdo – Edição nº14 – junho/2013