Há um sarcasmo macabro na sala de aula. Acho que chegou o fim da escola, ou pelo menos, o fim deste modelo de escola. Não podemos continuar empilhando tijolos novos no mesmo muro velho de sempre. Paredes seculares em formato de retângulo, crianças e jovens enfileirados, giz, saliva e cartilhas sem cor e sem vida já não convencem mais. Nem sei ao certo se em algum momento da história a escola já foi útil para alguma transformação ou se sempre se prestou à reprodução dos interesses de um sistema que depende da formação de mão de obra barata e de nenhuma criticidade nos filhos das camadas populares que recebem diplomas aos montes até mesmo quando continuam parcialmente analfabetos como se fossem cabeças não pensantes de uma gigantesca boiada bem fácil de ser manuseada.
Houve um tempo no qual a falácia para justificar as mazelas escolares era a falta de dinheiro. Acho que esse tempo já passou. Há verba em abundância inclusive para manter instituições particulares que se alimentam de projetos oriundos de programas governamentais. Fora isso, um volume descomunal de verba pública é rasgado escandalosamente todos os anos em investimentos inócuos e assistencialismos desnecessários. No caso do Estado de São Paulo, cada aluno recebe uma infinidade de livros didáticos oriundos de verbas federais (que via de regra não são utilizados) e ainda recebe toneladas de cartilhas com conteúdos desconexos e pedagogismos paridos da psiquiatria de quem, muitas vezes, sequer esteve em uma escola pública, seja como aluno ou muito menos como professor e se esteve foi por muito pouco tempo. Só não há verba para a criação de uma carreira digna para o professor que continua adoecido e desesperançado. A maioria já não suporta mais nem mesmo imaginar que escola existe, inclusive em decorrência desta ter virado uma bizarra fábrica de lunáticos tecnológicos com fones socados nos orifícios auditivos que não escutam mais.
E se isso não bastasse, um outro tipo de lunatismo, oriundo do distanciamento da realidade por parte de alguns promotores e juízes, vem corroborando para uma espécie de eutanásia da escola que um pouco ainda pulsa. Algumas autoridades, à distância, com olhares aligeirados e sem nenhuma análise mais aprofundada das realidades das escolas, impõem matrículas à revelia, mesmo quando não há espaço físico nas salas de aula (já que não se tem construído novos prédios em quantidade suficiente) e em alguns casos matrículas que colocam em risco a vida dos demais alunos, dos professores e da equipe gestora. O que não se percebe é que a escola continua se prestando a curral social redentor de todas as mazelas que os demais órgãos deste Estado Político ingerente (em especial nas áreas da saúde, da segurança e assistência social) não conseguem eficácias.
Enquanto isso, palavras de ordem sem sentido, de gente ensandecida, que também não suporta sala de aula e faz do pedagogismo um eficaz instrumento de poder e de inutilização social, ecoam há décadas no vazio deste modelo disforme de educação e emperram a execução do trabalho pedagógico e dos sonhos de quem, ainda que em estado de quase morte, resiste dentro das unidades escolares comendo o pão que o diabo não quis amassar meramente para manter o pão de cada dia.
Os professores estão morrendo e a escola há muito tempo não respira a verdadeira cultura dos alunos que, por enquanto, em sua maioria, estão apenas contaminados pela apatia, ausência de limites e de moral familiar e nenhuma sequência de conteúdos em uma escola que deveria ser o símbolo da sistematização em nome da cultura para a liberdade, mas que impõe o lugar comum em prol da massificação e do desmanche social alimentador de municipalizações, terceirizações, quarteirizações e quem sabe um dia abrir caminho para um Estado sem função nenhuma, plenamente privatizado e obsoleto.
Mas continuamos sonhando com uma escola ideal, livre de qualquer tipo de controle de pensamento. Ela é possível, ela é libertadora, ela tem teatro, área de esportes, ela contesta a tradição, a propriedade, ela debate política partidária, religião e derruba governos que se alimentam da corrupção e do sucateamento dos setores públicos do povo que produz a imensa riqueza deste país.
Paulo Franco
Texto Publicado na Revista Mais Conteúdo – Edição nº13 – março/2013