“Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei.”
Manuel Bandeira
Minha terra tem Palmeiras, Gaviões, Flamengos e grandes arenas brotam todos os dias em todos os rincões como se fossem ervas daninhas, enquanto que não temos hospitais e escolas com qualidade e em quantidade suficientes. Na minha pátria os homens encostam os cotovelos nos balcões dos bares e riem o tempo todo, embora o assunto seja quase sempre o mesmo e com os mesmos comentários brilhantes sobre as mesmas partidas de futebol que já foram sabiamente debatidas pelos filósofos televisivos que alimentam a vocação do povo para o nada. Política não se discute e muito menos religião. Nem nos lares, nem nas escolas e muito menos nos bares. E as mulheres da minha terra espicham os cabelos o tempo todo e depois fogem da chuva para não ficarem feias. Na maioria das vezes, uma é espelho da outra e os homens nem percebem isso, já que ficam ocupados com os debates sobre as bolas.
Na minha terra quem faz gol é rei e quem trabalha não vale nada. A minha terra é uma felicidade só. Tem carnaval, bumba-meu-boi, axé, romarias para todo lado. Na minha terra todo dia é dia de Santo. As igrejas se multiplicam na velocidade dos bares e dos estádios. A única escola que presta em lugares assim é a escola de samba. E os alcaides ficam felizes, multiplicam os seus cargos opulentos e os seus salários exorbitantes enquanto que a população dança, dança e dança.
O engraçado é que na minha terra as crianças não precisam estudar. A evolução é automática. A nossa pedagogia valoriza o lugar comum e os vestibulares já aceitam a língua vulgar para reservar a língua culta para poucos. E os poucos que adquirem a oratória sobem nos palanques e nos púlpitos para fazerem belos discursos com linguagens figuradas que a multidão não entende, embora o tempo todo aplauda. O mais engraçado ainda é que quase todos os Conselheiros que definem os rumos das escolas públicas são donos das escolas particulares.
Na minha pátria-mãe o hino é longo e é quase inteligível, mas é cantado solenemente antes de cada partida de quase vinte e dois analfabetos que não entendem o que cantam nas arenas, mas que ao término são ovacionados por uma enxurrada de palmas enquanto que a prole urra.
A minha terra é muito grande, quase um continente e tem muitas riquezas. Mas foi toda picotada em pequeníssimas aldeias que não conseguem se manter e isso acaba justificando que a grande maioria das pessoas seja muito pobre. Os que grilam as riquezas acabam dominadores das cidadezinhas. Dominam o corpo e a alma dos aldeões, mas normalmente são bajulados por eles.
Ultimamente a economia da minha terra vem sendo alimentada pela produção incansável de automóveis com redução de impostos. Os tomates, entretanto, e outras comidinhas naturais básicas têm preços enormes e fazem parte da lista de produtos que são taxados por quase uma centena de impostos que o poder central afirma categoricamente que são insuficientes para manter a segurança, a saúde e a educação dos meus conterrâneos.
Mas em minha terra há cartão-cidadão, bolsa-família, bolsa-leite, bolsa-gás, bolsa-filho-na-escola, bolsa-prisioneiro, bolsa-desempregado e algumas cotas que escondem a necessidade de uma pátria boa para todos.
Os poucos que vivem muito bem são donos dos partidos, igrejas, sindicatos, bingos, bichos e das empreiteiras que produzem os sambódromos e as inúmeras arenas de futebol.
Vou-me embora para o Brasil. Os sabiás de Pasárgada já não cantam como os de lá.
Paulo Franco
Texto Publicado na Revista Mais Conteúdo – Edição nº15 – junho/2013