A MÁSCARA NO ESPELHO – 

 UMA ANTOLOGIA INACABADA 

 

 QUARTA CAPA

                     Esta obra reúne uma seleção criteriosa dos 100 poemas mais significativos que foram publicados nos livros NOTA   S DAS HORAS (1995), PÉTALAS DE INSÔNIA (1999), PAISAGENS DO OLHAR (2001), DO OUTRO LADO DO OUTRO (2007), A QUARTA PAREDE (2010) e poemas inéditos que foram premiados em diversos concursos literários em nível nacional nos últimos anos. O título “A MÁSCARA NO ESPELHO – Uma Antologia Inacabada” é um indicativo do eixo temático central que permeou a escolha dos textos. Conota também o fato de que outros eixos poderiam ainda originar outras seleções. Por fim, há nele a denotação clara de que uma antologia organizada pelo autor estará plenamente aberta para as produções futuras que gerarão, certamente, a necessidade de inclusão de poemas novos que complementarão esta obra em edições futuras.

Ribeirão Pires, verão de 2012.

Paulo Franco

 

” A palavra é, numa só unidade, três coisas distintas – o sentido que tem, os sentidos que evoca, e o ritmo que envolve esse sentido e estes sentidos. (…) A arte que vive primordialmente da projeção de tudo isso, com propriedade se chamará poesia.”

Fernando Pessoa

 

A BICA

 

A tempestade passou.

O vento, a relva molhada

com cheiro de infância,

a andorinha a adornar em arco o ar

insistentemente não querendo ir

a nenhum outro lugar.

 

A estrada de terra, o pé da serra,

os sonhos de menino,

rebento a ver no céu rasuras de brinquedos,

desenhos que mesclavam esperanças e medos.

 

Na bica, o ruir da água

quase morna da montanha

a se fazer de mundo.

 

Tudo é tão grande

quando se é pequeno

que um dia pode ser a eternidade,

uma folha que cai vira balão,

um arco-íris após a tempestade,

com certeza, é felicidade

de tão simples que é, sem ilusão.

 

A correnteza a esculpir na terra

formatos de pequenas serras

lembra que o mundo se modifica

com o vento que corre,

com o tempo que morre,

com o sonho no cheiro da relva

que sempre fica

nas esperanças, nos medos, na ave que voa,

na água que escorre latente ruído que verte

no bico da bica.

Páginas 11 e 12                  

  

A CAPTURA

 

Em teu olhar, reflete intensa uma procura,

com a malícia que disfarça o caçador

que vê a caça e planeja a captura

silencioso como um cão farejador.

 

O teu olhar, um labirinto em moldura,

fino ornamento, é da face resplendor.

Uma paixão de intensidade sem ter cura,

pois que procura um fiel e pleno amor.

 

Olhar, vitral de infinita calmaria,

nau que anuncia um naufrágio por vontade

para viver a intensidade que irradia.

 

É luz do sol, é poesia, é verdade.

Pobre quem ouse mergulhar em sua orgia!

Não voltará, pois estará na eternidade.

Página 13

 

A ESTÁTUA

 

A alma

estendida no varal

a me conter de encantos.

Desalinhos no que sou

confundem o que sinto

num quintal de prantos.

Autônomos sentidos

que dirigem contratempos

nestes desencantos.

 

O cenário é um corpo nu

que desabrocha a virgindade

de um pecado necessário.

Refém das ilusões

acolho as contradições do espírito

para retalhar minhas vontades

que são crimes que me invadem.

 

E desafio o amor

como quem vai a um labirinto

que não tem saída.

Inusitado descaminho

do que não tem volta.

 

Infidelidades que ao poema

se acomodam

pra comporem versos brandos

sobre a vida vã.

 

Disforme no que fui

me encontro atrás da cura

para as deficiências

do que não senti.

O que supunha meu sustento

era embuste impedindo o meu intento,

era o medo das contradições

pra me manter menino

vendo um homem a se decompor

aprisionado em formas fixas

de um poema inacabado.

 

Salutares dores denunciam

minha estátua interior.

 

Olho o varal

e estendida a alma estanque

que se move à revelia da vontade

pelo vento de um sentir

que não se abala

porque é plena liberdade.

 

E o corpo nu em palco aberto

a me compor como um poema incerto

e a abalar a multidão

que aprisionada grita

estagnada por aquilo que não vê.

 

Sentenças e crenças que se mesclam

no auditório imaginário

desta ficção que aliena o que não somos.

 

Sopros que da alma eclodem

para sucumbir o que morreu

num picadeiro onde ninguém ri

porque o palhaço representa

um roteiro que não entendeu.

 

Mas a estátua aos poucos

bole a face e causa susto

pro auditório que a custo

arrebenta a parede deste imaginário

e sorridente acha imprudente

as cenas que não vê.

 

O teatro se desfaz

e a estátua sente o outro lado

do cenário que a prendia

e vê a vida e vê o dia

e à revelia da plateia sentenciada à ilusão,

vai procurar outro roteiro

para outro palco

numa nova ordem para a velha ficção.

Páginas 14, 15 e 16

 

 A FARSA

 

Em meu silêncio imaginário

o incômodo de alguma coisa

que se quebrou por inteiro

violando as aparências

que adornavam os fatos.

 

No coração o tempo dói

como em tortura o prisioneiro

alucina-se e delata o que não viu

e delator assume pelo crime

que não cometeu.

 

E de ilusões desilusões são fomentadas.

 

Desvencilho-me dos sonhos

e sonolento esqueço

das sobrevivências incompartilháveis

que me detiveram no que nunca fui.

 

Falácias poéticas que deterioram

metáforas invisíveis

nas figuras das palavras

que não foram ditas.

 

Sonhos de vidro que se rendem

à normalidade do dia

enquanto que parafernálias metafísicas

determinam a cada verso a poesia necessária

que jamais traduz o indizível do que dói

no coração que é delator por dentro

enquanto que por fora

pela face em farsa

ri.

Páginas 17 e 18

 

ALÉM DAS CERCAS DO QUINTAL

 

Falta coragem para ir à janela

e libertar os sonhos

que se entulham nos valores

que deprimem nossa cela.

 

Falta coragem pra se amar

como se ama quem nos ama a sós.

Aquele amor libertinado, de prazer de antes,

de prazer de meio e eternizado após.

 

Falta coragem para o sim

quando se emprega o não,

impregnado de amarras que deprimem

a liberdade que alimenta o coração.

 

Falta coragem para o não

quando se acata o sim à revelia da vontade,

em cumprimento ao estabelecido

que deturpa a nossa verdade.

 

Falta coragem pra mudar de rumo

ainda que preciso fosse a marcha ré,

para que a vida seja, tão somente,

a plenitude que ela já é.

 

Falta coragem pra beijar na boca,

pro abraço e pra revolução,

mesmo que revolucionariamente

a gente só liberte a nossa emoção.

 

Falta coragem

pra quebrar as cercas deste mal

e ver o mundo além dos muros,

além dos horizontes do nosso quintal.

Páginas 19 e 20

 

A MÃO E A LUVA

 

Uma chuva leve

lava o meu olhar

que peca.

 

A alma ardente,

o coração em chamas.

 

A minha mão

na luva

a esconder-se do que toca.

 

Dores que pulsam

incisivo tempo

de espera.

 

Relativo

o meu semblante vaga

no horizonte aberto

como afago pro olhar fechado

que se busca no infinito incerto.

 

Na chuva leve

em denso olhar

um pranto morno

a se mesclar

no frio das gotas

que me tocam

neste procurar.

Página 21 

 

A MARIPOSA

 

A mariposa,

de vida breve,

pousa em minha sala

atormentada

pela luz da tela da TV

que me atormenta

reprisando o que não quero ver.

 

A mariposa

satiriza a minha pose,

as minhas posses

e minha fortaleza suja.

 

As minhas ambições,

a minha alma,

a minha vala,

a minha sala estática

de apática que é.

 

A mariposa,

de vida breve,

das minhas décadas

de vida afã,

ri.

 

Ala pela sala

e da janela

a liberdade ganha

a escapulir da minha cela

como quem tem pressa

porque ainda sonha.

Página 22

 

 A MÁSCARA

 

Estranhamente posamos

sob um aspecto qualquer

da expectativa coletiva

escravizando-nos

no corriqueiro cumprimento

do que é a nós determinado.

 

E não vivemos mais

além do ego servil

exposto aos olhares indigestos

que espreitam o estático.

 

As aparências

impõem funções,

sanções, neuróticas reações

e deterioram as emoções.

 

Senso social maléfico?

Dialética?

Ética?

Ou réplica do caos coletivo?

 

Máscara fotográfica

da escravidão dos sentimentos,

encenação anômala

de fictícia missão vulgar.

 

Emoldurável pesadelo

a arrastar-nos nas relações

que reeditam o pânico

e mistificam a libido em meio ao sonho crônico.

 

O que esperaria o coletivo

para as representações

do roteiro de hoje?

Páginas 23 e 24

 

A MÁSCARA NO ESPELHO

 

No espelho

a máscara dirige o meu cenário

de mentiras que me acalmam

no espetáculo de contradições

que represento.

 

E vejo a sombra que de mim

nos outros resplandece

ser o que nem sei se sou,

mas que no outro

como espelho transparece.

 

Máscara em mímica

que incorpora o meu papel

e hipnotiza meus sentidos

encorajando a maquiagem que me imponho

pra pensar em outro sonho

diferente do que sou.

 

Um figurante que protagoniza

apenas as cenas de dor.

Dublê de si

que anestesia a cara confinada

num espelho que não tem mais cor.

 

Máscara despida à minha frente

refletindo as várias fantasias

que estão fora do espelho

em que me assisto.

 

Fecham-se as cortinas

e o auditório vai embora

enquanto um louco balbucia

que não teve graça

porque a máscara despida

de pirraça ou de pavor,

era a cara maquiada

do seu próprio autor.

Páginas 25 e 26

 

 A METÁFORA DO CAIXÃO

 

Metáforas transitórias

meio a juramentos de eternidade

na frivolidade dos olhares

que mal se espiam

na cumplicidade de uma liberdade ineficaz.

 

As execuções penalizam os sentimentos

sentenciados às rotinas

de um querer imaginário e inatingível.

 

O corpo, já bem desfalecido,

é uma coisa  a caminho do caixão

que clama pela lápide da porta

que não pode ser aberta.

 

Arrombamentos que se impõem

qual crimes necessários

ao horizonte sem tramelas

enquanto que alguns entes despencam

dos lustres no cenário das alianças.

 

Improváveis paixões

apunhalam a estabilidade

bem comportada do dia a dia

arrancando a paz dos corações

para supri-los com desordens

de procuras vãs.

Página 27

 

A MÍMICA

 

Leio a representação alheia

pra compor o personagem

que hesita no papel imposto

pelo palco que se decompõe.

 

No camarim, qual mímico de si,

o espelho desmaquia o próprio olhar

e sai gritando que o cenário

determina a aparência

que a plateia tenta imaginar.

 

Cortinas que caem sobre o auditório,

que simplório, meio aos enganos,

roteiriza atrás dos panos

soluções aos desenganos

frente aos atos, que profanos,

se compõem por entre os anos

no imaginário que a vida

determina a se representar.

Página 28

 

 AMIÚDE

 

O poema cálido

em meu peito morno

adorna um coração

que pulsa frio

o vulcão da espera.

 

Do que fui

ao que será

do que não sou,

não sei,

assim como meu sonho

não é mais

o que há pouco era.

 

Pois minha alma no poema

enfadonha-se em segredo

e me desfaz nefasto,

enquanto que amiúde

se amiúda o coração de medo

e um grito vira o enredo 

dentro do silêncio vasto.

Página 29

 

 ANDARILHOS DO TEMPO

 

Pela areia infinita dos dias

vasculhamos, andarilhos do tempo,

grãos de felicidades

que se perdem na desesperança

que rodeia o coração.

 

E arrastamos lento olhar

pelas entranhas dos sonhos

que adormecem na espera

qual a flor que semeada não vinga.

 

Verso de poeta envelhecido,

passado da hora da inspiração,

metonímia pobre

a se perder no esquecimento

como o amor não declarado

em uma vida de paixão.

 

Tema frio de vida fria.

Quase todo sentimento

gira em torno

de paixões que não vingaram.

 

O poema parou na areia infinita dos dias,

andarilhas rimas do tempo,

desesperançadas, passadas da hora,

proibidas paixões

que deformam a existência

numa espera de envelhecimento

e dor.

Página 30

 

 ANOMALIAS

 

Obscenos cenários de gente,

anomalias sociais

que se confundem

no obscuro das faces

que estranhamente se fundem.

 

Formas geométricas

que formam fisionomias medonhas,

melancolias, gente bizarra

que no abstrato das ambições

ainda sonha.

 

Edifícios de medos,

tédios que se empilham

num amontoado de iras

que se cruzam

num silêncio de poucas palavras.

 

Frases perdidas

que escapam do significado das bocas,

que, mortas, cospem semânticas anormais

entre catarros e automóveis,

bucólicos seres que se movem

em rançosos vícios e falsas morais.

Página 31

 

 A PESSOA

 

Em minhas lágrimas,

relativamente sujas,

estão as incertezas

de uma alma contraditória

e incompartilhável.

 

Trago no meu coração

o ópio das horas.

Indiferente a quase tudo

atormento-me

com a simples futilidade metafísica

dos que passam ao meu redor.

 

Imaginar que no dia seguinte

seguirei vivo

traz a insônia necessária

ao que quero compor.

 

Seria tão fácil se eu fosse os outros.

Dentro de mim, múltiplo,

a traição é sigilosa.

 

Do outro lado da minha janela

inúmeros donos de tabacaria

riem-se de mim

que não me sinto pessoa.

 

A ordem civil me transformou em nada.

Sintetizado em cumpridor de obrigações,

sem sensação nenhuma de vida,

desarmonizo-me

meio a uma harmonia falsa.

 

O universo se reconstruiria

em ideal de esperança

se o sorriso dos que passam

do outro lado da minha rua

não fosse

só um fato infeliz.

 

As tabacarias quase não existem mais,

mas os poetas são os mesmos

e se multiplicam em cruzes

que demarcam milenares aflições.

 

O pássaro que avisto no horizonte é irreal.

Melhor não ver

o que a parede do imaginário

sanciona como fato.

 

Acreditar que a vida

arrasta o destino das coisas

é ceder ao medo do invisível

e ir às representações

que amenizam nossos crimes inafiançáveis

e perfeitos.

Páginas 32 e 33

 

A PIPA

 

Os homens espiam os lírios

e os colibris, os homens.

 

Dos bancos das praças

os velhos olham as pipas

invejosos dos guris

que não enxergam as horas,

entretidos por uma eternidade

imaginária.

 

O tempo, um brinquedo

sem volta

qual o vento forte

que a linha arrebenta.

 

O menino espia a pipa

e não vê o céu.

O velho, o céu

sem enxergar o sol. 

 

Entre a pipa

e o horizonte

um vácuo de infinito

que o olhar

do menino

não atinge

enquanto que o velho

pressente.

Página 34

 

APÓCRIFO

 

No olhar,

a linguagem da alma,

a transparência do ser

impelido ao que não pode ser visto.

 

No olhar, lasciva lassidão

onde as vontades,

impróprias,

viram fantoches do medo.

 

Laço lasso

do espírito

em nó,

que clandestino,

sedimenta o sonho títere.

Página 35

 

 A QUARTA PAREDE

 

No fundo do eu,

espectador do imaginário

e das contradições,

assisto o meu elenco

na passividade de plateia 

que sou.

 

Figurante do que sinto

enceno os dias

na arena de coadjuvantes

que protagonizam

o sonho improvisado desta ficção.

 

Cômica caixa cênica

em suspensão de descrença

que o auditório não vê,

embora pense que creia.

 

Parede imaginária

no invisível

deste pedaço de vida

a confundir o elenco.

 

Palco de invasores sentimentos,

nas coxias intransitáveis da alma,

que não vêm à cena.

 

Mundo lúdico enredado

na rotunda da emoção.

Quarta parede a impedir o sim

quando a plateia

só enxerga o não.

Páginas 36 e 37

 

 A RUA DO DIA SEGUINTE             

                                                                           

A rua morna, a madrugada fria.

No peito o apetite voraz

de um coração que queima

vitimado por aquilo que não vê.

 

A procura, a alimentar a emoção

caminha na velocidade das luzes

que iluminam e não aquecem a ilusão,

que tenta, mas nem sempre crê.

 

Olhares estanques desfilam

e não se olham entre os muros

que cerceiam o porvir a algum lugar nenhum.

Homens e coisas que se agrupam

na cidade sonolenta que em desespero já não pode dormir.

 

A rua do dia seguinte

é a metamorfose do nada

equivocadamente não se transformando em coisa nenhuma.

 

O instante medieval,

da pedra ao apocalipse,

parece que se eterniza

em uma internet de nerds e niilismos.

 

A evolução sempre a um passo da bestialidade.

 

E a poesia insiste insossa

a sistematizar no metafísico

o que é real

de uma história que não pode ser descrita.

Páginas 38 e 39

 

AS CERCAS

 

O sentimento intenso que me acirra

a arrancar as cercas do meu ser

põe-me destemido a me despir

de amarras que me agridem

prisioneiro dos destinos

que não posso ver.

 

Lá fora, os sonhos públicos,

as minhas mágoas na rua

como se fossem coisas despidas

espiadas por pessoas estranhas

ao que sou em cada verso que sinto.

 

Observado

disfarço de céu intenso inferno

e não me atrevo a revidar

os que me olham nu

qual transeunte a vasculhar um falso eterno.

 

Havia uma utopia na aurora

e ela não chegou ao pôr-do-sol.

No meu jardim

uma esperança com pétalas

desabrocha-me inusitado a cada amanhecer.

 

A cerca intensa acirra no meu ser

o sentimento de liberdade

acerca dos destinos que me levam pro infinito.

 

Um prisioneiro no poema,

a cada verso que liberto

como um grito na nudez do que pressinto

enquanto finjo que não minto

sobre o que não é verdade,

mas que de fato sinto.

Páginas 40 e 41

 

 AS COISAS

 

Sobre os objetos

o olhar dos homens.

Sobre os homens

o ostentar dos objetos,

mais eternos, estáticos,

depositários do olhar das gerações.

 

A estante, a escrivaninha,

a penteadeira incômoda

observando o pentear

de quem se vai a cada instante.

 

O castiçal impávido

em um cômodo

do tempo

intacto.

 

Lá fora a tempestade,

abstrata

como o olhar

que observo

sobre as coisas.

Página 42

 

 AS ESTAÇÕES

 

Olho pras ranhuras no céu das madrugadas de setembro

e me pergunto quando chegará a primavera.

Nos meus sentimentos

algumas flores que não têm vingado

e então culpo as estações

por esta falta de cor no que avisto das coisas.

 

A alma fria do inverno

aguarda um tempo mais ameno.

Quem sabe as tempestades que virão

farão de mim algum verão qualquer.

 

O dia a pino faz da noite esquecimento.

A escuridão é uma hipótese

no espírito ao meio dividido

pelas sombras de um sol insuficiente

para aquecer-nos por inteiro.

 

Há um claro no outro lado do escuro

assim como é certeza

que sementes dormem pelas estações

na espera

de vingarem exclusivamente na primavera.

 

Uma rebelião de cores e cheiros

que invadem os jardins

e tocam os homens que dormem

no desconhecido das sensações.

Página 43

 

 A TEIA

 

Às vezes choramos

porque a alma dói

tudo aquilo

que o corpo já não sente.

 

Temos planos

adiados pelos anos

e sonhos cancelados

pelos desenganos.

 

Tramamos o dia

como quem a teia tece

à captura de si.

 

Entre os instantes,

a vida, por acinte,

pauta utopias

para a ordem do dia seguinte.

 

Mas mantemos calma

achando que temos alma.

E será ?

Página 44

 

A TERRA DAS CRIANÇAS PRETAS

 

E os soldados brancos

sentinelam as crianças pretas.

E as crianças pretas

já não brincam de marchar

e observam os desfiles

dos soldados brancos.

 

E os soldados brancos

nunca brincam

vigiando

esta terra de crianças pretas.

 

E as crianças pretas

acostumam-se  a jamais serem soldados

e só brincam de crianças pretas

dominadas por soldados brancos.

 

…Pois que ser soldado

deve ser só para crianças brancas

que já nascem dominando

até os sonhos das crianças pretas.

Página 45

 

 ÁVIDO

 

Devora-me

a sombra do ser

que segue o que sou.

 

Devora-me o que sou

na sombra do ser

que me segue.

 

Segue-me a sombra

do que sou

e me devora

o ser.

 

O ser que sou

devora-me

e sigo assim

a sombra

que me segue

ávida.

Página 46

 

 BALUARTE

 

Debate-se um poema em toda alma presa.

Quando é bem demarcado, às vezes não tem rima.

Se tem um grande tema, falta-lhe a beleza

que exige o achado pra ser obra prima.

 

E o artista a procurar a arte de grandeza,

sabendo que a procura é o que ilumina,

se perde a meditar, à caça de sua presa,

qual louco atrás da cura para a própria sina.

 

Então em instante raro onde a poesia,

qual deusa de um castelo, presa em baluarte,

clareia-lhe o faro como a luz do dia

 

e o artista vira um elo para outra parte

e o verbo de tão claro a alma contagia

enfim, o imenso belo que só há em arte.

Página 47

 

 CARTOMANTE

 

Em meu espelho

a sorte incendeia

a pulsação do meu olhar

metódico.

 

O dia impõe a inspiração

da vida.

Ações são decretadas

nas necessidades

da lida.

 

O instante imposto

contrasta-se à revelia

do nosso coração

vidente.

 

O futuro é a incógnita

da nossa evolução

pendente.

 

O coração

é a cartomante sensitiva

desta depressão fugaz.

 

O medo impede o passo.

Vislumbro no caminho

a escuridão tão violável

pela luz do sonho e passo.

 

Então recorro à cartomante

como quem se entrega

à embriaguez da inspiração:

 

– Quando somem meus desejos,

minha fé, minha ilusão…

estão perdidos no meu eu, no infinito ?

Afinal, aonde estão ?

Páginas 48 e 49                       

 

CANTO DA LIBERDADE             

 

A ave que não sabe que está presa

não procura a liberdade

e vê beleza pela cela

porque é parte figurante

do cenário que lhe atrela

no teatro da prisão.

 

Mas a ave que percebe

que o seu canto é só tristeza

porque sabe que está presa,

logo busca de verdade

descobrir se a liberdade

é de fato uma ilusão.

 

E com certeza sentirá

que além do canto tem beleza,

tem encanto e realeza

e verá que a fortaleza que lhe prende

é a fraqueza que lhe rende

a ser ave rastejante

que só cisca pelo chão.

Página 50

 

 CICATRIZES

 

Estagnado em meu quintal

espio o sol

como quem desfalecendo

observa o que não vê.

 

Recolho o olhar sobre as misérias

enquanto escolho os sonhos

que reprisam as procuras

e disfarçam cicatrizes

nas loucuras do ilusório que se crê.

 

Um medo involuntário arrasto

pra ninar as marcas

do incurável desta solidão.

 

E a luz do sol

a sombrear o olhar ao chão,

reflete um corpo entristecido

a rastrear pelo quintal

o que sobrou do ser vencido

pelo tempo que a verdade da mentira

transformou em ilusão.

Página 51

 

 DILEMA DOS DIAS

 

Há que se acordar

e caminhar o dilema dos dias.

Há que se adiar o riso e as agonias.

Mastigar o ódio como quem

tritura o próprio guizo

e se seguir diante de incertezas

como se viver

não fosse mais do que preciso.

 

Há que se ter e que se ver

que o ter não basta.

Há que se ser e se conter

maquinalmente como o gado pasta.

 

Há que se esperar do tempo quase tudo

vendo-se que resta do momento o futuro

e que o tempo a passar-nos sempre mudo

em silêncio ultrapassa o nosso escuro.

 

Há que se ver que a morte vem

e a vida em vão se vai

e da angústia

a gente assim se protegendo

vai se fazendo alicerçar de astúcia.

 

E se fingindo de coragem neste medo

segredamos as verdades que escondemos

nas mentiras que pintamos no segredo

das respostas ilusórias que jamais sabemos.

Página 52

 

 EFÊMERO GRITO

 

Oh! Infelicidade encarcerada

nas almas que se desesperam!

A vida a debater-se nas faces

apagada na escuridão dos olhares que esperam.

 

Há uma loucura exposta

no cárcere do que não foi dito

no subjetivo que se mostra

no concreto deste efêmero grito.

 

E quase tudo dói

na abstração incômoda

deste descontrole insano.

Sentimento que destrói

esta ilusão anômala

que espelha o nosso engano.

 

Alucinações que se compõem

em perigosas verdades,

feridas que nos expõem

em vexatórias insobriedades.

 

Oh! Alienação destas mentiras!

Ilusão transtornada de invisível

a se multiplicar em violentas iras

que se debatem diante do intransponível.

 

E a felicidade embalsamada

em fugazes irrealizações

esconde-se da visão do nada

destas alucinações.

 

Clínico delírio

a conter a alma.

Mímico martírio

a manter a calma.

 

Há no olhar uma procura

encarcerada em um silêncio que corrói.

No riso, antagônica tortura

estampada numa solidão que,

às vezes,

dói.

Páginas 53 e 54

 

ERRO

 

No olho do outro

o erro visível,

intenso.

 

Na menina dos meus olhos

a metáfora

que eu não quero ver,

no que faço,

no que minto,

no que penso,

no que não posso conter.

Página 55

 

ESTAÇÃO

 

Outono nos corações dos homens.

Crianças arrastam seus uniformes

para algum sonho distante.

 

A felicidade dos loucos

contrasta-se com os gritos de liquidação.

 

Os sonhos, nas estações, que partem.

Nas estações, os homens, que sonham.

Nos homens, os sonhos, sem estações.

Página 56

 

 FRUTO PROIBIDO

 

No perigoso precipício da véspera

do cinquentenário do que fui

a flor que acena flui

involuntários sentimentos

de uma vida que jamais senti.

 

E urge amar o inusitado

neste estado de penúria

que é o tempo em marcha

como a flor que surge

e brevemente passa

no jardim que ficará.

 

Terminada a pressa,

o futuro incerto

de quem já viveu o permitido

e vê, à margem de um abismo,

um labirinto sem fim.

 

Agora eu não sou flor,

não sou jardim,

sou a semente que dormia

renascendo como o fruto proibido

mas que sempre esteve em mim.

Página 57

 

 GRITO AUSENTE

 

É indivisível o que sinto.

Uno, pra sonhar, às vezes,

minto. 

 

Pra viver, nem sempre sonho

escondendo no olhar o sentimento

como se o momento

fosse um vil compartimento

de um enorme labirinto.

 

E o futuro

alardeador do infinito

é improvável,

eu só pressinto.

 

Então me guardo no silêncio

indivisível nesta imensidão

de sentimentos do presente

que aguardam o momento

para a liberdade

de um intenso grito ausente.

Página 58 

 

IMENSURÁVEL

 

Para fugir do medo

adornamos algumas mentiras belas

que nos fazem

heterônimos do anonimato

que sentimos.

 

Do cansaço do tempo

trazemos a saudade do bulir

nos proibidos, nas vergonhas

que em contraste com a solidão

germinam o prazer das coisas.

 

É como se o bem e o mal

a se mesclarem,

numa coisa una,

imensurável,

fossem se  compondo

no que somos de intolerável.

 

Assim,

pérolas e porcos

estercam a busca

da verdade vislumbrada

que a mentira ofusca.

 

E do inesperado,

parido deste prematuro

que o instante instala,

o brado olhar a germinar

o grito que se  expande

enquanto o sentimento cala.

 

Mas pra fugir do medo

atiramos o olhar a qualquer coisa,

violando qualquer um,

inibindo a violência

que se instala

nesta síndrome de pânico comum.

Páginas 59 e 60

 

 INCONTESTÁVEL

 

Atravessamos o futuro

por dentro do dia a dia

deste presente incontestável.

 

As coisas se dão assim, irremediavelmente,

e vão alicerçando um imenso passado

sob o nosso instante frágil.

 

Fumamos, morremos, paramos de fumar ou de viver,

fazemos aniversário de vida e morte

até que nos esqueçam

por ausência plena de importância temporal.

 

Ao certo ficamos em meias verdades

inteiramente inacabadas.

Em verdade acabamos entendendo

que somos incertos demais

para o risco das verdades inteiras.

 

E riscamos do mapa alguns sonhos,

algumas brincadeiras, amigos, coisas, ideologias.

Procuramos o preciso para o que precisamos

neste impreciso agora.

 

E no abstrato

destes sentimentos impalpáveis,

na sequência dos fatos que arquitetam os instantes,

vasculhamos o futuro inadiável

destes dias de completa lentidão.

 

Então olhamos o pedaço de rua que nos cabe,

o recorte de horizonte possível,

os muros impávidos que cerceiam os olhares

e atravessamos o futuro por entre o dia a dia

deste tempo incontestável

qual um templo que professa ilusão.

Páginas 61 e 62

 

 INFINITO

 

Sobre uma parte

do que sei, escrevo

e se não sei, me calo.

E do que escrevo,

uma parte eu nem sei,

e mesmo assim, às vezes, falo.

 

Sobre o que sinto

uma parte escrevo

pra tentar saber

o que de mim eu minto.

 

E nunca sei se escrevo

a parte que me cabe

do que sei de mim

e , às vezes, calo

pra fingir o que não sinto.

 

E sei que do que sei,

à parte, no que escrevo,

parte não me cabe

já que eu só pressinto.

 

E no que sinto deste pressentir

há o conflito entre o silêncio e o grito

transformando o poema

em linguagem de infinito.

Página 63

 

INTERFACE

 

A me conduzir o poema perde-se

e pede que eu não o faça mais

enquanto me desfaço

refazendo versos incompartilháveis

que jamais deveriam ser escritos.

 

O poema que me acolhe

recolhe de mim

os dispositivos incompatíveis

com minhas sensações

de eternidade e insensatez.

 

A palavra que a mão conduz

é a mesma que dilacera

quando o sentimento não condiz

com o limite entre os corpos

já que a vida, muitas vezes,

não permite a conexão com a vida

e a razão vira a interface da emoção

que contamina o poema que se esvai

esfacelando-nos

sem sentido ou poesia

qual a tela que computa a dor.

Página 64

 

INTERLÚDIO DO TEMPO

 

Interminável interlúnio.

Parco olhar a procurar-se

nesta vasta escuridão.

 

Interlúdio do tempo,

maestoso intercalar de instantes

nesta teatral composição.

 

Lento e imponente,

a iludir-nos,

o presente.

 

Futuro que não vem

enquanto passa-nos.

Passado estático.

 

Intermúndio do tempo,

intemporal presságio.

Internúncio sem resposta.

 

Intenso intento de eternidade.

Maestoso procurar-se,

qual na partitura, a inspiração.

 

Interlúnio do tempo

no interlúdio dos instantes

a acalentar-nos

nesta interminável ficção.

Página 65

 

INTERLÚDIOS

 

As músicas que estão em nós,

os versos, sonhos, as saudades…

fazem-nos múltiplos.

 

Contemporâneos, às vezes.

Passado quase sempre.

 

Tocamos as coisas

em dó maior do que sabemos

enquanto a pena

rege um texto sem musicalidade alguma.

 

A vida é uma representação

de vagas sensações

que nos concretizam

resultado de ilusões arrítmicas.

 

O hoje é executado pelo ontem

ainda que não exista amanhã

e tudo isto nos transcende

à harmonia do infinito que imaginamos.

 

As músicas em nós

nos acordes se desatam

acalmando os desalinhos

que o silêncio faz na alma

que se orquestra em interlúdios

de um efêmero que não passa.

Página 66

 

JARDIM DO ÉDEN

 

Em meu jardim

as flores espiam

o meu olhar parasitário

a espreitá-las sem vê-las.

 

Observado

fujo a face ao horizonte

que em prosopopeia

se escandaliza com os homens

que se perdem nos jardins

a procurar um belo

que não podem ver.

 

No dia a dia

noite a dentro

enterram-se

sementes mortas de si.

 

E vigiam a aurora

temerosos do que pressentem

enquanto a escuridão os contém

pra no outro dia sem medo

se perguntarem se um dia

verão as flores que afloram

lá no jardim do além.

Página 67

 

JOGO A DOIS

 

Contamos as horas

enquanto lavamos os sonhos,

enxugamos as mágoas

entre o silêncio e os pratos

da noite passada.

 

Estendemos o novo dia

sem vermos que o sol ainda não se pôs

e o resto da noite é apenas

um pedaço a mais de escuridão.

 

Vasculhamos o pó do coração

enquanto varremos os resíduos da sala

que despencam da tevê

onde assistimos um jogo a dois

no qual o indivíduo não se vê.

 

Arrumamos a cama vazia

enquanto vagamente vem

a ilusão que já terminou

com o sonho bem comportado

num canto da penteadeira

(não sei ao certo quem o arrumou).

 

Na escrivaninha, trêmula,

você se vê entre o teclado e os meus dedos,

que prendem o seu coração,

trituram os instantes

que ao poema já não servem mais.

 

O sorriso, apenas um válvula de escape

que não conseguimos fechar,

como a torneira que pinga incessante,

enquanto o coração é uma descarga de dores

que se esvaem a cada instante.

 

A porta pode não se abrir

e ficaremos assim,

presos na propriedade

de termo-nos sem termos

uma janela pra a liberdade

de sermos.

Páginas 68 e 69

 

LÁGRIMAS SECAS

 

Quando eu for embora,

a tampa da minha panela preferida,

o bule, o cheiro do café,

em minha casa permanecerão por mais algum tempo.

 

O meu cão, certamente,

a esquina espiará, à minha espera,

nos horários de minhas rotinas.

 

As minhas lembranças, cartas,

quinquilharias, que a mim eram riquezas,

boçais entulhos a serem incinerados virarão

aos meus descendentes,

que iludidos em suas buscas,

me esquecerão

assim que as lágrimas secarem.

 

Insistentemente alguns versos

determinarão a minha eternidade passageira

a um pouco mais além.

 

Oh! Insuficiente poesia

a burlar a alma dos outros

desdizendo as verdades,

invertendo as mentiras

para encontrar alternativas

que não servem pra ninguém!

Página 70

  

LIVRE ARBÍTRIO

 

Algumas ruas cortam o meu coração

e se encruzilham na imprecisão

dos inexatos sentimentos

que permeiam  este procurar.

 

Perco-me abstrato

no concreto das contradições

que cobram os degredos

que não posso cumprir.

 

Caminhos demarcados

por passados sem lembranças

e arrependimentos sobre fugas

que impediram o que não se viveu. 

 

Futuro de vento

que nos deixa para trás

qual a árvore

que não cede ao vendaval.

 

Raízes imóveis

de um presente qualquer

ingenuamente predestinado a passado

e submisso ao que é determinado

pelo que virá.

 

Descaminhos que se mostram

em acenos pra desassossegos

das mentiras dentro das verdades

violando os arbítrios dos que pecam

pelas liberdades.

Página 71

 

 O ABUTRE

 

Cacoetes de inspiração

impõem os versos

sobre o que em mim

degrada a madrugada fria.

 

Anestesiado pela solidão

lido com sonhos

que são coisas

que deturpam

uma sonolência que dói.

 

Movimenta-se sorrateiramente

o peçonhento sentimento

de náusea

e o poema

é atirado para fora

como uma gosma insossa

transformada em flor.

 

Alimento-me de mim

como um abutre que se nutre

de dor               

e que degusta o estranho belo 

que há no verso a se compor.      

 

Ideologias putrefatas

gerenciam

minha alma involuntária

de poeta ditador

que no poema

só vasculha a liberdade

e tem no sonho da verdade

a escuridão

a transformar em resplendor.

Páginas 72 e 73

 

O ARGUEIRO

 

No semelhante

o argueiro imenso

a competir

com nossa trave pequenina.

 

E na menina dos olhos

o ardor intenso da esperança

que espera oscilando

entre a fé de uma razão que contamina.  

 

No semelhante a miragem

de uma dor universal

que não sabemos se é por bem

que nos faz ver o nosso mal.

 

Semelhantes os olhares se procuram

denunciando invisíveis que torturam

previsíveis como o dia ainda não ido

ao futuro do que é desconhecido.

 

E no que desconhecemos,

na dor do outro que nós também temos,

o rir possível,

o prodigioso amor

que pressentimos e não percebemos

porque à nossa evolução

se mostra inteligível.

Página 74

 

O BALÉ

 

A lamparina sobre a mesa

tem na chama que ilumina

um balé de bailarina

que incendeia a escuridão.

 

A menina imagina

o balé da bailarina

e vê na chama

que incendeia a lamparina

um grande sonho que ilumina

como um sol na imensidão.

 

E como vento toca a chama

que charmeia a lamparina

vem o tempo e toca a sina

e incendeia e ilumina

o que imagina a menina

pra sair da escuridão.

Página 75 

 

O BANCO

 

Hoje, poderia ter feito planos,

contado estórias,

contado os dias

que arquitetam anos.

 

Poderia ter feito charme

ou me escurecido

em um depressivo verso branco.

 

Poderia ter mastigado calmante,

folheado a minha estante,

mas hoje só fiz um banco.

 

Sim, um banco destes de se sentar,

um banco destes de antigamente,

feio,

que nem cabe no lirismo dos meus versos.

 

Hoje, poderia ter feito

qualquer outra coisa,

mas fiz um banco.

Amanhã, quem sabe eu faça

um jardim.

 

Apetrecho fútil

parido de mim

que não me encontro.

 

E o interessante

é que nem mesmo preciso

de um banco.

Nem mesmo preciso-me.

Páginas 76 e 77

 

O BAOBÁ

 

Pela janela, o olhar respira

o horizonte que não pode ser tocado.

 

O achado de cada esperança

mantém o prisioneiro

visionário do que não existe.

 

Na desordem dos objetos

a cela de sentimentos que emboloram

e decoram as paredes intermináveis

deste imaginário.

 

Esperanças cansadas

contagiam os dias

com ideologias

que não foram arquivadas.

 

Enraizadas

ideias daninhas

que queimam.

Toras que não frutificam,

obsoletas

como baobás de alma.

Página 78

 

O BELO

 

O novo nascerá vindo do velho

qual artista que a martelo

a arte nova cria

transformando a pedra em belo.

 

E o belo que da pedra sai

molda o que é duro

como a luz em beco escuro

em si se sobressai.

 

E do velho que se vê no novo

outros sonhos reflorescem

como as gerações em cada povo

um novo revolucionar aquecem.

 

E assim se tece a criação

se transformando a cada renascer,

verso a vagar de mão em mão

pra no instante eternizar o ser.

 

E o novo que se vê no velho

é o criador a ourivar a inspiração,

qual artesão a cinzelar verso libelo

para eternizar do criador a criação.

Página 79

 

ÓBITO

 

A gente morre um pouco

porque o cão de estimação

lambuza o nosso quintal,

porque queremos mais do que precisamos

e porque as folhas sujam

a sacada após o temporal.

 

A gente morre porque abusa,

por não ter o que fazer

ou por fazer o que não usa.

 

A gente morre pelo ato,

porque aperta o sapato,

porque queima a comida,

a gente morre por matar a vida.

 

Morremos porque amamos,

e em excesso nos escravizamos.

Morremos porque somos

vitimados pelas iras que guardamos.

 

Morremos por falta de tempo

de ver o pôr-do-sol

e por falta de sol porque não temos tempo.

 

E ainda a gente morre

porque não suporta

da tevê alienações

e porque eram falsos

os profetas das revoluções.

 

A gente morre de sim,

a gente morre de não,

a gente morre por não ver

o que alimenta o medo

em nossa emoção.

Páginas 80 e 81

 

OBJETOS DE DOR

 

Amanheceu e não sabemos o que fazer.

O sol insiste, mas não abrimos a janela

e ficamos por mais algum tempo

para ver se o medo passa.

 

Caminhamos pela sala

na velocidade possível

de quem vasculha ao redor de si

em meio a objetos de dor.

 

A rua parece escurecida

por rotineiras iras.

As faces rangem os dentes

enquanto que sorriem

o sarcasmo

daqueles que cumprem pena eterna.

 

E nos descobrimos cumpridores

de nossas sentenças

em meio aos raios que nos transpassam

nesta escuridão

e debruçamos o pensamento na janela

à busca de, quem sabe,

um sonho que nos acene.

 

Amanheceu e o sol insiste

refletindo

o enfurecido sarcasmo

dos que cumprem esta pena que não passa.

 

E não sabemos,

objetos de dor,

o quanto suportamos

desta eternidade

vil.

Páginas 82 e 83

 

O BOBO

 

Sereno mato a minha dor

e estrangulo quem não sou

para saber de mim.

 

Acato a solidão que me detém

na multidão extasiada

que maquia os seus prantos

com comédias sobre um nada

que jamais tem fim.

 

O roteiro é um silêncio

de caras e bocas que se movem

entre as farsas de um amor ruim.

 

Do lírico ao trágico, um instante.

Script incerto

onde o tempo é da morte

o seu fiel amante.

 

Um bobo cortejado pela corte

que sorri da pantomima

que dispersa o foco do seu drama

pra fingir que é ironia

a traição do coração que se comporta

pra esconder o que de fato ama.

Página 84 

 

O CACTO

 

Vejo o mundo caminhando

como um caminheiro

no deserto vê um cacto.

 

Vejo esgoto escorrendo

sob nuvens que passeiam

e pessoas rastejando feito ratos.

 

Vejo a flor

que brota desse esgoto

e a dor que, feito nuvem,

esgota a flor do rosto.

 

Vejo os restos

dos sentidos que ensinaram

se tornarem continência

e a flor secando pelo rosto

como um cacto

em redor da ausência.

Página 85

 

O CAMAROTE

 

Do camarote

observo as aflições

no camarim.

 

Alguém que teme

se representar

maquia em prantos

uma máscara de risos.

 

A peça é parte arredia

do contexto de paixões intensas

que se quebram em instantes

desfazendo as emoções dos outros

para sempre.

 

Alguns amores

despencam em contradições

e se arrebentam no tempo

como se jamais tivessem existido.

 

O público a compor a cena

no cenário não se encontra

e vaia a cortina que despenca

denunciando o ator

que maquiado

no espelho

estava

nu.

Página 86

 

O CARPINTAR

 

Agonizam empoeirados

em meio a velhos ideais

alguns poemas mal concebidos.

 

Os móveis, desordenados,

impedem o plantio dos sonhos,

que daninhos, esmorecem.

 

O verso impõe a solidão desnecessária.

 

É impreciso o meu olhar

no interior do que pressinto

a vasculhar o meu futuro

no presente que restou

deste passado falso.

 

O que havia de sabedoria

nesses sonhos que jamais sonhei,

mas que impostos, se deterioraram?

 

A agonia arrasta-se, maligna,

a contaminar a minha face

envelhecida pelo riso que não veio.

 

Os amigos partiram na renúncia

do que era falso da espera,

que subordinada ao sonho, se desfez.

 

E o silêncio, carpintando o vago,

esculpi a luminosidade

de outras portas…

 

Possibilidades do instante

que arquiteta incessante

o extermínio da agonia

restaurando um outro verso

para a mesma poesia.

Páginas 87 e 88

 

O CASTELO

 

Encastelados em si

os homens vigiam os ventos

como se temessem no horizonte

o que chamam de eternidade.

 

E tocam o semelhante

com saliva gasta.

 

Incapacitados de alma

viram sombras indiscretas

do que não conseguem sentir

na dor que o coração arrasta.

 

E pintam de novo o erro antigo,

pregam o céu,

o certo pelo duvidoso,

enquanto a dor na cor do olhar

encerra um inimigo.

 

Palavras inanimadas no hálito

do que já foi dito

movem o teor vago das coisas

que invadem as sensações

e vagam na nova ordem

de cada conflito.

 

Vigiado

o coração ao vento

encastela-se de infinito

como se o olhar ao universo

buscasse o reverso do silêncio

na inviabilidade

do grito.

Páginas 89 e 90

 

 O CIRCO

 

Do alto do meu espetáculo

observo na plateia

o que não quero ser

e represento pros que aplaudem

o teatro do que somos

nas coxias onde estamos,

mas mostrando um picadeiro

que não quero ver.

 

E assisto as reprises dos meus sonhos,

enfadonhos sentimentos

de um palhaço que se pinta por dentro

para se esconder.

 

Lá fora de mim,

a estrada que procuro pra não ser

o espetáculo que agrada

aos transeuntes que me entornam

boquiabertos à espera

dos meus atos

pra sentirem tudo aquilo

que não podem crer.

 

No entorno do palco

as revelações esparramadas nos olhares

dos que espiam as esquinas do que represento

pra plateia, que patética, sorri.

 

Ah! Vulgares vidas que vagam

vivendo as várias vadiagens do artista,

que volúvel,

vê no vago

um vazio intenso. 

Páginas 91 e 92                                            

 

O CONDENADO

 

O sol a incinerar

da noite os restos dos sonhos

crema as melancolias

desta insônia sobre o nada

em quase tudo que incomoda.

 

O pedaço de corpo

a me conter

contém o que da alma

em mim pressinto

nesta estrada que me molda.

 

Latente vida

que da morte

escapa

mais um pouco.

 

Vidente em mim

um sóbrio insano

se transforma

em mais um louco.

 

E um caminhar que oscila

entre a queda e a correria,

a me levar a outro lado,

faz de mim o que não sei,

o que não sou,

como o silêncio

faz do grito um condenado.

Página 93

 

O CRACK

 

A rua está fria

e não há poesia

no ar que envolve

o mascarar destes sorrisos.

 

A esperança

a ser pavimentada,

em abandono

clama

pela Providência.

 

Há que se ter prudência

na abordagem do olhar.

Há um crime no clima

que envolve este clamar.

 

Alguém pode sacar

a arma da palavra

e a depressão do coletivo

pode abalar a bolsa

dos nossos valores.

 

A rua está fria

e o sonho,

mal agasalhado,

é só mais um pedinte

desabrigado de ilusão,

que pulsa por acinte

flagelado no coração.

 

Há que se ter prudência

na abordagem do olhar.

Há um crime no clima

que envolve este clamar.

Páginas 94 e 95

 

ODE AO SILÊNCIO

 

E do silêncio arrancamos o atordoamento das horas.

Emolduramos nossos medos que nos bestificam.

Escondemos as iras, as paixões e contravenções

do que está a nós determinado que seja, sem sermos.

 

E do silêncio as canções,

os versos raros,

as grandes invenções se dão.

 

E do silêncio a dor que se abstrai.

…E parecemos distraídos compenetrando-nos

no universo vazio de nossas cores vagas

enquanto nos violentando nos defendemos de nós.

 

Silêncio que nos executa

triturando as sensações que escondemos,

os sonhos que detemos

para não doer a realidade alheia.

 

Silêncio, teia infinita sem som,

falta de voz, obra sem tom,

todas as tonalidades de emoções

que se misturam para descobrirmo-nos.

 

E o olhar, este traidor absoluto,

a entregar nossas verdades.

Mecanismos do silêncio que confundem

o que exigem do lado de fora de nós.

 

E delatados balbuciamos

uma negação facial de riso ou pranto,

enquanto que o silêncio se recompõe

sólido de encanto

com a probabilidade efêmera de infinito

como acordes que se encontram

na composição de um novo canto.

Páginas 96 e 97

 

 O EIXO

 

Inadministrável ser de vocação facínora,

de falácias travestidas de irracionalidades filosofais

e práticas pelo próximo em causa própria

revestidas de oratórias sacerdotais.

 

Reverenciamos o princípio e não questionamos os fins.

E sem finalidades perdemos os nossos princípios

tornando-nos igualmente ruins.

 

E discursamos uma sociedade fraternal

paridos todos do mesmo mal.

Somos iguais só no que tememos a sós

e libertadores porque somos todos prisioneiros de nós.

 

Queremos revolucionar

a depressão latifundiária de nossa emoção,

mas somos vítimas do nosso individualismo tribal,

coletivo apenas na solidão.

 

Somos contra a miséria do coração,

mas nosso sim equivocado

é eternamente soberano

ao mais abençoado não.

 

Temos uma pressa coletiva

e saímos atropelando

grandiosos eternos ideais

com ideias efemeramente pessoais.

 

E como dividir a propriedade que não temos?

Como difundir o que nem ao certo sabemos se queremos?

Como semear amor se cultivamos o ódio?

Verdade se mentimos? Felicidade se não sorrimos?

Igualdade se não repartimos? Fé se fingimos?

Coragem se fugimos? Esperança se iludimos?

 

Irrealizável sonho travestido de falácias

e irracionalidades temperamentais!

 

Como corrigir com outro erro?

Como libertar com mais prisão?

Como revolucionar, se não mudamos o eixo,

sequer, da nossa ambição?

Páginas 98 e 99 

 

O GARI

 

O mundo anda sujo.

 

Um homem varre

o canto da calçada

e canta

um canto de encantar

o mundo,

um canto de encantar

todo mundo,

como se aquele canto

fosse o último desencanto

a se limpar

para se restaurar

todo o encanto do mundo.

Página 100

 

O GRITO

 

Na musicalidade dos versos

a rebelião silenciosa

das palavras enobrecidas

que lavram uma busca incansável.

 

Em cada ponto,

em cada canto pelos ares,

suprindo os desencontros

atrás do reencanto dos sonhares.

 

Na melodia dos olhares

a insurreição das frases no infinito,

alimentadas pelos sentimentos,

que reagem ao silêncio

insubordinadas

pela necessidade do grito.

Página 101

 

O LABIRINTO

 

Calculo o dia seguinte

na exaustiva mansidão que me pressinto.

O hoje a desdobrar-se nos instantes

sedimenta o coração

que avalia o volume das dores

enquanto que em sorrisos

minto.

 

Computar os delírios

a cada momento de lucidez,

quarar o olhar

como quem busca escapulir

da escuridão

é fuga vã e pouco basta

para o muito que sinto.

 

E deletar paixões,

banir a paz das ilusões,

o sonho quantioso

a acuar o instinto

que denigre o que não sou

posto que estou parte da tela

como um ponto na aquarela

de um enorme labirinto.

Página 102

 

OLHARES

 

Olhamos de lado

e nos olha o outro,

mudo, num mundo surdo,

a nos espreitar

como se um espelho fosse

a representar, talvez,

uma outra parte do que somos.

 

E profundamente

vasculhamos o outro lado do outro,

a nos procurar,

e olhares outros repartimos na escuridão

pra clarear a multiplicidade de sentidos

no que olhamos.

 

Olhares que são grãos de areia

no infinito da procura.

Mar de buscas nestes prantos.

Acalantos pro sonhar

que no horizonte perde-se entre encantos

sem ter cura.

 

E para nos encontrar do outro lado

do que imaginamos que vemos neste vai e vem,

olhamos desesperançados do outro lado da rua

como o prisioneiro que transcende

para a liberdade que não tem.

 

E do outro lado o outro nos olha de lado,

disfarçando o sentimento como lhe convém,

procurando  nos olhares que se perdem

o mesmo intrigante achado

que o outro procura também.

Páginas 103 e 104

  

OLHOS TORPES

 

Metáforas que refletem

nas vidraças das faces

fáceis sonhos falsos

que viram suplícios,

intransponíveis precipícios

nos edifícios das ambições dos homens.

 

As ruas velozes

refletem

o desespero da existência

estática.

 

A insistência humana

em comandar os mundos

é uma arma que dói

uniformizada nos segundos

entre os transeuntes das metrópoles

como fardas que enclausuram sonhos

no quartel dos olhos torpes.

 

Metáforas velozes

que incandescem os precipícios

da existência.

 

Insistente dor intransponível

neste falso sonho em farda

inviolável.

 

Torpe olhar enclausurado

de ambições que não refletem

a felicidade questionável.

Páginas 105 e 106

 

O LOUCO

 

Não tinha o lápis em mãos.

Então não mudei o mundo.

Como vítima do inesperado

o poema se perdeu no segundo.

 

Do outro lado da cama

uma máquina sem fita,

fora de moda, fora do tempo

qual o poema que se foi.

 

Do outro lado da rua,

a rir, um louco,

como se de mim zombasse

por me ter furtado o lápis em desuso.

 

E pra fazer de conta

coloquei-me ao teclado,

impávido como um mouse

a aguardar a mão

que a esperar por sentimento

não se move.

 

E novamente

o louco riu

e a acenar-me foi embora,

como se tivesse hora,

como um sonho bem real que esvaeceu

ou como o poema que no agora me feriu

e desapareceu.

Página 107

  

O MITO

 

É vasto

o canto em que te guardo

neste coração de pedra.

 

Vasto silêncio

no meu grito.

 

Vasta emoção

que no meu peito

medra

de infinito.

 

E se és razão

em mim

pra desapego,

eu tenho medo

e neste canto

te transformo

em segredo e mito.

Página 108

 

 ON LINE

 

Amordaçado pelo senso comum

eu meço as mágoas que me moldam

meditando sobre o medo

que decora o meu jardim.

 

Imaculados sentimentos

não suportam o poema ao vivo.

Preferível o poeta morto

no quintal esparramado entre cães e fezes,

com vizinhos que vigiam a inspiração.

 

On line

a vida em ânsia

pulsa intolerâncias ao que é afã.

 

Conectar-se ao que é de fato

intimida o sentimento imediato

como quem tem medo de tocar no que morreu.

 

E navegar tem riscos.

As tormentas absorvem

os que invadem nosso inusitado.

 

O mar está além do que é possível se ver.

Abstrações e buscas se misturam

nos caminhos deste desbravar.

 

Mas nem tudo que se move é terra.

O sol é só a luz possível

pra quem vê o tempo todo a escuridão.

 

E o tempo sentencia o libertário à própria sorte.

A liberdade vira um risco, já que livres,

vulneráveis mais ficamos para a morte.

 

E libertinos, libertamos nossos medos

meditando contratempos

como a flor que ingenuamente

não suporta o seu jardim.

 

É como um poço,

um precipício de vontades.

Labirinto de desejos que se mesclam

ao suicídio das raízes

que para a flor é uma dor que não tem fim.

Páginas 109 e 110

 

O PARALELEPÍPEDO

 

Sujo, observo no clamor do dia claro

o que escorre no olhar que sente medo.

Na rotina da prisão que me acalma

algumas rugas se contorcem pela face

enquanto a alma ironiza o meu segredo.

 

Um homem duplo que não é ninguém.

A vida múltipla apagando o personagem

de um teatro sem paredes

que é detido pelo palco,

libertino, porque lhe convém.

 

O sol não absolve o pecador

que a escuridão contém.

Os heterônimos escapam pelos versos,

sorrateiros,

enquanto que o autor é condenado

pelo medo que o detém.

 

O poema é um prostíbulo de emoções histéricas.

Absorve nos lirismos fantasias homéricas

que permitem ao poeta se representar,

meio a figuras, sobre o que de fato é.

 

A rua indócil é um esconderijo

para aqueles que se perdem.

O coração, reencontrado,

é um paralelepípedo que teme.

Página 111

 

O PECADOR

 

Do concreto acato os desacatos

que me acolhem

como quem daninhas ervas

num jardim de prantos colhe.

 

Acolho nos olhares que me entornam

sentimentos que transtornam

o que a face esconde

no semblante que não ri.

 

Pecador me perco

a me procurar

meio a parábolas

que não entendi.

 

Contorno os entornos de uma fé

que não possuo pra não ser ateu

e me absolvo dos pecados

que não cometi.

 

E possuído pela inexatidão do agora

passo a limpo o amanhã

e me confesso por aquilo que não fiz

para quem sabe ser o condenado pelo que não sei.

 

E me pergunto, pecador:

Por que me invade esta verdade que transcende

e que ninguém verá

posto que a vida que ninguém entende

gera perguntas sobre o que será? 

Página 112 

 

O PORTÃO E O MUNDO

 

Entre o portão e o mundo

as janelas para o infinito

involuntário.

 

O passo trêmulo,

o olhar envelhecido

pelas horas que não cedem

ao descaso do presente insosso.

 

A decisão sempre tardia,

o mundo impávido a violentar a alma

presa no quintal

qual a guardiã do pouco bem

que é vitimado por todo esse mal.

 

O cálculo do ter

metodicamente insuficiente

para o ser que não se basta

e se entedia incapaz de ver

o pôr-do-sol que insiste em se compor

perante a vida vasta.

 

E o portão,

sempre a um passo do infinito,

é o divisor entre o silêncio e o grito

e anuncia a calçada para a rua intransitável

qual a fronteira para um mundo

que nos chama ao desconhecido

de um futuro inevitável.

Página 113

  

ORDEM DO DIA

 

Na ordem do dia

o momento secular

a ser desvendado.

O mistério do instante

em sequência eternizado.

 

A vida

nos encurrala à história.

O colapso dos sonhos

vai alicerçando

o destino instintivo

nem sempre coroado de glória.

 

E ingenuamente

acreditamos conduzir

a execução da hora,

o fato do dia,

a palavra de ordem

na desordem do mundo

que se perde globalizado

no indivíduo entristecido.

 

Na pauta,

a ficção do que sentimos,

o libertar que coagimos

pra fraudar nosso discurso iludidor

e convencer do que queremos

o que nem ao certo sabemos

se devemos

neste projeto de dor.

Página 114

 

 O RELICÁRIO

 

Finjo um sentimento de esfinge,

um fragmento de mim

que em verso finge

o que não quero pressentir

quando não estou para prosa.

 

O olhar é uma pedra que reluz

o que conduz o coração do dia

que não mais sente a utopia

exterminada no nada

qual o sonho que jamais existiu.

 

O peito, um relicário

de amores velozmente vividos

que no agora inexistem

enquanto que o tempo

já não passa.

 

Lembranças acomodam-se na dor

qual mimos de estimação

que incomodam na saudade

que também não passa.

 

O tempo é o esconderijo

que absorve o esquecimento,

lúdico e necessário,

para não nos vermos por inteiro

a cada porvir.

 

Somos a parte que nos cabe

na contradição de cada momento,

causa e efeito de sonho e ilusão

em cada novo sentimento.

Páginas 115 e 116

 

 O RUIR DAS HORAS

 

Na lembrança, qual um palco imaginário,

o cenário de coisas que vivi,

algumas pessoas, cães, carinhos que não foram percebidos

por entre as metáforas  não entendidas

enquanto a vida era apenas uma ordem.

 

Na desordem da natureza do tempo que nos deteriora, 

perdemo-nos um pouco a cada instante

e ainda à caça da felicidade para um futuro distante

sem vermos que não vemos nem mesmo o momento seguinte.

 

A casa a ruir abriga-nos dos sonhos que detemos

em cada quarto que nos prende

a rende-nos às nossas verdades e imaginários

e em cada um a quarta parede cai

desvendando um cenário de expectativas

desperdiçadas no que não sentimos no agora

que se esvai

como se fosse a lembrança

daquilo que jamais existiu.

Página 117

  

O SARCÓFAGO

 

As minhas musas

mumificaram-se

na estante empoeirada

dos meus versos.

 

O tempo determinou

os seus sarcófagos.

 

Minha neurótica rotina

já não contamina

minha inspiração

com versos brandos.

 

O meu poema

é de contorcer o coração

que se petrificou.

 

Não há lirismo

quando a vida

é uma sobrevivência.

 

Não há poesia

nos sarcófagos

e as múmias

não inspiram

o poeta ainda vivo.

Página 118

 

O SERPEAR

 

Fingidor me entrego neste riso

e afago a dor,

que disfarçada,

se transforma em guizo.

 

Enveneno-me de mim

e prendo o coração

que contamina

a serpear a ilusão

que não tem fim

no verso que ilumina.

 

Serpenteio-me na noite,

qual felino saltimbanco

a se fingir de eterno

entre as insônias

que se curvam no cansaço

de um verso branco.

 

E fingidor me entrego neste quizo

e afago a dor,

que camuflada

se transforma em riso.

Página 119

 

 O SINO E O SILÊNCIO

 

A badalar o coração

que não aceita ser tocado

de mim só sei o que me sinto

e não me reconheço em cada sentimento

como um grito no silêncio aprisionado.

 

Vago pelas emoções

como à deriva, ao ar,

a folha velha acha que voa

sem saber que apenas cai.

 

E qual o sino que não soa

ao toque do sineiro,

em segredo a mudez é sobrenatural,

como de alma que retém o instinto

desfalecido no que dói, posto que minto,

no intenso labirinto

que passeia entre o bem e o mal.

 

Passageiro de mim

observo-me nas estações

nas quais me assisto passando.

 

Espelho que reflete o que se vai

sem volta e sem saber pra onde,

sempre a partir sem paradeiro como quem se esconde.

Parte de um caminho sem destino

de procuras insolúveis em tudo e em todo lugar,

um hospedeiro instintivo do que sente

um perdido caminheiro sempre a caminhar.

 

E a badalar no coração,

como sinos que não dobram mesmo ao toque do sineiro,

o poema, que no peito não aceita ser tocado,

representa a cada verso

o intenso infinito que é o silêncio

que não pode ser quebrado.

Páginas 120 e 121     

 

 OS LÍRIOS DO CAOS

 

Aguardamos pelos lírios

que virão do que sobrar

do caos.

 

Demolidos resistimos

indecisos na ambição

que nos obriga à solidão

do nosso estágio insosso.

 

Devaneios apunhalam

nossa alma vã.

E em sã consciência

acatamos a demência do dia

na ordem desconexa

desse desamor.

 

Por entre os obstáculos das ruas

os tropeços nos detritos do que somos,

nos delírios, no que estamos.

 

Oh! Sombra do sonhar em ser

sentenciando-nos a flagelos

sobre o indizível.

 

E condenados ao inevitável

evitamos os adornos da razão,

que apunhalam com os fatos

nossa ordem de fardos

na desordem destes lírios que virão.

Página 122

 

 OS VENTOS

 

Lembro-me dos ventos

nos agostos

da minha infância.

 

Na inexatidão

dos sonhos de criança,

involuntária,

a esperança

era uma marcha de fé.

 

Os cheiros, as manhãs,

os orvalhos

eram as partes de um eterno

presente futuro

como se o tempo não tivesse muro

e a vida caminhasse de marcha a ré.

 

O infinito não passava

da primeira esquina,

o universo estava na ponta da linha

em desenhos leves

nas rabiolas das pipas

que se mesclavam ao balé das aves de rapina.

 

A galinha no quintal

era como um deus ciscando o mundo

à caça de felicidades

sob um sol não refletido

já que a lamparina era a luz possível

a amenizar a escuridão.

 

A bola, o estilingue, a mãe,

a bica de águas cristalinas,

alimentavam o poeta de calças curtas

que ainda não sabia

a razão de quase nada

mas que se assustava com as crenças sobre o fim do mundo.

 

Lembro-me dos ventos dos agostos

porque os sentia com mais contundência.

 

 

 Lembro-me da fome

e de quem, como em santa ceia

sem multiplicação de pães,

repartia-nos o pouco que havia

como a manter-se pela Providência

de um amor imensurável.

 

O tempo era o passageiro instante

a trepidar nos galhos das árvores

que derramavam folhas amarelas

sobre as trilhas das arapucas mal armadas

meio a araçás em um quintal desconhecido de grande,

mas aquecido por brincadeiras de roda.

 

Mas o tempo nos ventos

esvaiu-se. Assim como os agostos e as décadas.

Na lembrança

a criança guardada em algum ponto

do cinquentenário passando.

 

Criança e homem que brincam

em tempos distintos

no mesmo corpo

que por instinto

vê no vento um horizonte

de intentos e pipas que tremulam.

 

Frágeis linhas

de um belo a bailar no olhar

na arte de sentir

o que o tempo como vento

na lembrança nos permite eternizar.

Páginas 123, 124 e 125

 

 PARA HOJE

 

Ainda para hoje

vasculhamos a vida na janela.

Chove e o dia chora

o sol que fez do coração a cela.

 

Algumas lágrimas

alagam  para-brisas de emoção.

O caminho, confuso,

distorce a nossa direção.

 

As dores ninam

a canção que nos embala

e a inspiração, que de excessiva,

o verso embriaga e o sentimento cala.

 

Ainda para hoje

a poesia vasculhamos  na janela

para que o coração liberte o dia

e a vida, como em arte, se apresente bela.

Página 126

 

 PERMITIR-SE

 

O eu poeta, a poesia,

a minha rima e o meu mundo

permitir-me-ão o quê?

 

Metáforas que me arrastam a antíteses

dentro das profundas catacreses

que estão nas meias coisas 

ainda passageiras

nos ilusionismos das paixões

que não são de ninguém,

mas que estão mim?

 

Ah! A vida e o passado!

Este status de quem não se sente vivo

e que morre afrontado de futuro

quando o presente ativo

estabelece que o tempo

é um quase inexistir.

 

Viver sem vida é uma sórdida tarefa,

é uma sobrevida em cada sonho que se inventa,

em cada sensação de sentimento em quem lamenta

porque se arrepende por não ter vivido

já que nem sequer o permitido

permitiu-se.

Página 127

 

 PÉTALAS DE INSÔNIA

 

Tempestades de sensações

inundam o peito que não dorme.

O olhar embriaga-se

no rústico silêncio

da alvenaria dos instantes

que atormentam.

 

Momento pós muro. Pós queda.

Nova ordem de rancores e iras

metralham nosso medo doce

de quem teme o sonho

na fragilidade que o emoldura.

 

Tempestades de dúvidas

disparam pétalas de insônias

em nossos sonhos arregalados

que espreitam os ponteiros

de um relógio que não dorme.

Página 128

 

 PLANTA

 

Estacionado em meus aposentos

alimento os transeuntes

com olhares de escárnio

maldizendo o vaso

em que me encontro.

 

Uma planta de fé

fincada em raízes

de aflição e medo

sobre o nada.

 

Um pé

de qualquer coisa

plantado na contramão dos sonhos

e atropelado

pela própria estrada.

Página 129

 

 PONTO DE PARTIDA

 

Tenho saudades de lugares por onde não passei,

lembranças de pessoas as quais não conheci.

Procuro versos que jamais farei,

poemas sobre o que não sei

e conto coisas sobre o que não vi.

 

Ando sempre pelas mesmas ruas

vendo as mesmas caras e coisas

como se no ciclo da vida perdido estivesse

e em círculo voltasse ao ponto de partida.

 

Talvez o medo impeça

o arriscar-se a novos caminhos.

As direções, múltiplas, assustam

e eu me escondo no quintal

de um endereço qualquer

para me proteger de mim.

 

Vejo as pessoas passando

e me pergunto sobre os seus destinos.

Serão mais belos do que os meus?

Do outro lado do planeta eu seria outro?

Em outro tempo os dias seriam mais amenos?

 

Acordar e escarrar o amargo da noite

para vasculhar o labirinto do novo dia

enquanto reordenar a casa

à procura do que não sabemos

virou uma rotina incurável.

 

E a poesia, qual peçonhento inseto de alma,

colide as sensações entre os vazios e as inspirações

para versificar o tédio de cada esquina,

de cada insônia e amenizar o tempo que nos elimina.

 

Os lugares por onde passei,

as pessoas que passaram por mim 

fazem parte dos meus esquecimentos

e alimentam as lembranças

sobre os seres que já fui

e me arrastam para o que serei

em decorrência do que sou

exclusivamente neste instante,

único, impreciso e irremediável.

Páginas 130 e 131

 

PRISIONEIROS DAS ABSTRAÇÕES DO ESTAR

 

Frases entrecortadas

sacodem a ilusão

nos sótãos da esperança

em meio aos esconderijos

do que somos a cada amanhecer.

 

A mulher sacode na varanda

a vida que não passa

enquanto que passeio

os olhos pela praça

a revirar velha moldura

que apesar da pose,

não tem graça.

 

Vida feita de móveis sentimentos

que não modelam a existência.

Sentidos tolos atordoados

entre metafísicos tormentos

que incomodam o momento

no qual tudo está perfeito.

 

E reinventamos nossas verdades

em meio às mediocridades

que congestionamos

universalmente em nós.

 

Mas revivemos.

Pulsamos o sonho que repulsa.

Sorrimos instintivamente

entre os instantes.

 

O relógio para.

E em nós,

a engrenagem fria

no pulsar ainda se move.

Páginas 132 e 133

 

PROFISSÃO DE PEDRA

 

Ao ser que tem por profissão a pedra

e que de pranto enfeita a dor que medra,

enquanto pra ser gente feito germe geme

pra ajeitar a terra e edificar o mundo.

 

Ser que ao sol é mudo

e tem no ofício o difícil sacrifício

de moldar o latifúndio.

Enquanto empilha a pedra, desintegra a vida

observando como um muro a flor murchando.

 

Ser de pedra ao sol marchando,

marmitando o sarro da sarjeta

e concretando o sonho feito em barro

amassado pela mão

que ao medo a raiva injeta, enrijecendo o riso

morto em quem vegeta pra fingir que é vivo.

 

Nasce em seu peito um canto ao coração que é calo,

amortecendo a voz que cala e acalma a alma

num cimento magro de um silêncio mágico

de quem já morreu.

 

Na face um canto ateu, num canto um violão.

No prato o fel de um pranto,

na parede um santo de tijolo e oração.

 

Na ração a dor que gera a morte

pelo pão que falta frente à mesa farta

e pela mão que implora pela sorte e pela hora

de ser pedra em paz.

Página 134

  

REGÊNCIA

 

Pela janela,

à caça de Deus,

o olhar

que no horizonte esvai-se.

 

Das certezas da vida

às dúvidas que a morte impõe

(ou o oposto disto),

uma réstia de tempo

a nos contemplar

na inexatidão da espera.

 

Surtos de um delírio

demarcado em calendário

religiosamente cristão,

mas impreciso.

 

Meticulosos lirismos

intercalados em risos

ritmizam versos brancos

sobre relógios que regem silêncios

qual adornos de alma.

Página 135

 

SACADA

 

Na porta

sombreada em sol

ao chão

vejo a saída

para o impreciso.

 

Improváveis versos

saltam-me na mente

como um repente

que nunca será.

 

Um cão,

que no tapete dorme,

causa inveja

aos meus sonhos

que sonambuleiam

numa correnteza

que não cessa.

 

E turbulento

fecho a porta

pra matar as sombras

que me guardam da sacada

do meu próprio

olhar.

Página 136

 

 SEMÂNTICA

 

Viaja em mim

a alma de um poeta

e a espada

de um guerreiro ateu.

 

Vejo o mundo

como um espelho antigo,

angústia e solidão

retraída e muda.

 

Meu verso,

na luz

não vale nada.

 

Minha rima

é só uma estrada

tornando a vida

mais fácil de ser digerida.

 

Minha semântica

é medo,

é solidão.

 

Minha ilusão, espírito

e pouca coisa mais

além do que pressinto

desta escuridão.

Página 137

 

 SOBERANOS DO HOJE

 

Ilusórios do tempo,

olhamos o ontem com desdém

vislumbrando no horizonte

um incerto além.

 

Soberanos do hoje

construímos coisas

demolindo paixões.

 

Em pressa instintiva

aceleramos contra nós

um tempo que mata

contaminado de ilusões.

 

A felicidade

sempre premeditada

esvai-se no agora

das coisas.

 

Uma vida de tédios

entrecortada por amores

disfarçados nas dores

que disparam risos.

 

Frágeis sentimentos

soberanos no instante

deste denso eterno

de tormentos e guizos.

Página 138

 

SONETO AO AMOR ABSOLUTO

 

Será de Deus o amor a complacência

para acalmar os corações humanos,

por conceder a ele a onipotência,

já que senti-lo, faz-nos soberanos?

 

Em nosso olhar há a onisciência

a denunciar dentro de nós enganos

por ver no alheio olhar vasta demência,

infiéis paixões em corações profanos.

 

Fim último de tudo o que existe

é o amor princípio e atributo,

verdade que transcende e que persiste

 

como a flor que anuncia o fruto.

É força oculta e embora não se aviste

onipresente, é pleno, absoluto.

Página 139

 

 SONETO AO AMOR DESFEITO

 

O imperfeito amor que avassala

de infinito o coração em chama

e causa dor e embaraça a fala

atormentando o peito de quem ama

 

é o mesmo amor que a criança embala

quando recria num brinquedo um drama

ou o amor que o tirano cala

pra iludir e por a terra em chama.

 

É, com certeza, o sentir mais forte

que pode haver pra embriagar o peito,

pois gera vida e depois a morte

 

já que depois se torna rarefeito

e o sentimento que era a grande sorte

vira um vazio coração desfeito.

Página 140

  

SONETO DO AMOR IMPERFEITO

 

Não quero mais buscar o amor perfeito

pra camuflar o sentimento em chama

e amortecer o que me dói no peito,

a mesma dor de todo ser que ama.

 

Que amar assim, eu sei, não é direito,

pois todo peito preso nesta trama

adoecido faz do olhar um leito

pra adormecer a fonte deste drama.

 

Vou procurar amar só o instante

um amor maior, porém um passageiro

tão transeunte quanto o amante

 

que tenha amores pelo mundo inteiro

e ao invés da dor o peito sempre cante

o imperfeito amor que é o verdadeiro.

Página 141

  

TEXTO AO VIVO

 

Espio bem o transeunte sempre igual

que me espreita da calçada

temeroso do meu mal

atrás do verso que não sai.

 

Pela parede imaginária do meu muro

eu escondo o meu escuro

a me conter do que pressinto

semelhante ao que deduzem que não sou.

 

E represento,

escondido atrás de um verbo insuficiente,

as mazelas que me cospem no sorriso

e me imponho impreciso pra plateia

que espera um desfecho

que alimente a ilusão.

 

E em outro ato

o limite entre o invisível e o fato

contamina o sentimento coletivo

e faz da vida um texto ao vivo

pra iludir nosso roteiro

no teatro da razão.

Página 142

 

 TRANSEUNTE EFÊMERO

 

Não sou o que sonhei ou fui.

Sequer concretizei os versos pobres

da primeira infância.

 

…Tudo uma brincadeira, que jamais passou.

 

Hoje, permito-me esquecer que sou

um transeunte estranho

por dentro de minhas emoções.

 

Caminhos que se deformam

e em abismos se transformam

por dentro de mim.

 

E o tempo escorregadio

que não se deixa tocar.

 

Enquanto corro, morro

em seus labirintos

que deslizam no ar.

 

Eu sou o relógio efêmero da eternidade:

Pra quase tudo ainda é cedo

e pra sonhar

é quase sempre tarde.

Página 143

 

 TRAVESSURAS DA IMAGINAÇÃO

 

Eu queria um mundo de brinquedo,

onde sorrir não fosse quase que pecado.

Queria um sonho imaginado à luz do dia,

onde a poesia não fosse apenas

uma ilusão feliz a mais.

 

Queria imaginar um cais em caracol

em volta do universo,

onde os planetas fossem refletores

de um gigantesco circo sem lei de gravidade,

sem lei pra ser cumprida ou burlada,

sem lei de não, onde o sim fizesse valer

todas as travessuras da imaginação

…e mais nada.

 

Queria um mundo sem adultérios,

onde os adultos, sem mistérios,

fossem eternamente crianças

e a mente humana simplesmente

uma semente de paz e esperanças.

 

Queria um sonho de brinquedo

que fosse verdade,

uma verdade de brincadeira

para se brincar de mentirinha

que a liberdade não existe.

 

E que a liberdade

fosse a lei maior da sabedoria humana,

a única sabedoria possível

no impossível a ser atingido

na lei da imaginação.

Páginas 144 e 145

 

UNIVERSO PARALELO

 

O medo sobre nada

a consumir o dia intragável,

excessivo.

Nas relações, o impreciso

das telas que nos distanciam

e alimentam a deformação do riso.

 

Em meus e-mails o contato insosso

de combatedor

que morre em seu esconderijo.

 

Paralelo ao que vejo há o que existe.

Virtual, não tenho alma

e posso ser o que não sou

sabendo que não são

os que rodeiam

a janela que me esconde.

 

Os homens, abstratos,

se percebem

coagidos

quando param no farol.

 

Olhar de lado e não se ver,

não ver o outro

que também é consumido

sob o mesmo sol.

Página 146

 

BREVE BIOGRAFIA

 

                                                                                                     Por Thaís Franco

 

PAULO FRANCO – Nascido em Santo André a 20 de agosto de 1960, passa a residir em Rio Grande da Serra a partir de 1964. Sua produção literária inicia-se ainda na infância. Em 1979, publica, pela Editora Formar, PLANO DE VÔO, seu primeiro livro de poesias, em parceria com Antonio Bosco e Dirceu Ramos. Em 1981, pela  Milesi Editora, publica, com Antonio Bosco , o livro AI-5, poesia engajada, que representa o momento de transição à abertura política do país. Forma-se em Letras em 1983. Em 1986 efetiva-se como professor de Língua e Literatura na Rede Oficial de Ensino do Estado de São Paulo. Forma-se em Pedagogia em 1987. Em 1988 especializa-se em Supervisão Escolar. Casa-se no mesmo ano. Nascem os filhos Thaís em 1989 e Vinícius em 1991. Atua como Diretor de diversas Escolas e como Supervisor de Ensino. Nos anos seguintes, dedica-se à criação de NOTAS DAS HORAS, publicado em 1995 pela Scortecci Editora. Em 1999 lança PÉTALAS DE INSÔNIA pela C. Cranchi – Editores. Em 2000 é eleito vereador em Rio Grande da Serra. Renuncia ao mandato em 2001. No mesmo ano lança PAISAGENS DO OLHAR, obra prefaciada por Frei Betto e editada pela Alpharrabio Edições.  Muda-se em 2002 para Ribeirão Pires. Em 2005 publica em capítulos a fábula UMA ESCOLA FABULOSA no jornal Folha de Ribeirão. Em 2007 lança DO OUTRO LADO DO OUTRO, pela Espaço Editorial e em 2010 A QUARTA PAREDE pela Editora Multifoco, obra que teve diversos poemas premiados em nível nacional.