A gente perde o encanto de andar na rua, de espiar na janela o horizonte incerto, de votar para transformar, de fazer piquenique, de passear com o cão de estimação na praça, de sonhar. A gente, às vezes, com medo do mal, perde, inclusive, o encanto de fazer o bem.  O mal banalizado vem determinando em nós uma aceitação nociva, um silêncio perigoso, um niilismo patológico gerado pelo esvaziamento da paz em nossas almas alienadas o tempo inteiro pelo ibope que alimentamos quando assistimos só as coisas ruins.

          E a gente se acostuma com a máfia dos fiscais, com a máfia das empreiteiras, das merendas escolares, dos medicamentos, com os mensalões e com todas as corrupções que fazem a festa na maioria das cidades do país.  E a gente vê tudo isso ao vivo na rua e na televisão. Vemos a imprensa marrom sobrevivendo de estupros, assassinatos e outras misérias de alma, incluindo milagres executados por charlatões que se intitulam apóstolos do bem enquanto que extirpam o pouco que resta de um povo quase sem formação, saúde e cidadania.

          Enquanto isso, tem presunto novo na calçada, sangue fresco nos jornais e um campeonato a mais para iludir a multidão desempregada. E são mendigos que tropeçam em autoridades e risos que despencam de opulentas sacadas. E então os favelados sacam os contrastes das cidades com crianças que já nascem assaltadas. Aí, é gente branca e gente preta a premeditar alguns delitos. São muitos delinquentes que acenam para os carros que se trancam na velocidade dos gritos. O fato é que sempre tem desesperado novo na cidade e mais algum rebento a viver de esmola, pois banalizaram a corrupção na mão da autoridade que colherá prisão por não plantar escola.

          E tudo passa a ser normal. Um homem debatendo epilepsia, a morte na delegacia, o bem no mal, a covardia… Tudo passa a ser normal. Morrer de susto por ter visto o vulto humano, homens de luto enquanto há culto e contrabando. Tudo passa a ser normal. Escorbuto na senzala, morte a bala enquanto oculto um grito cala, enquanto se curte uma nova tropicália, tudo passa a ser normal. Assassinato na avenida, a multidão perdida, a solidão. Tudo passa a ser padrão. Morrer de fome produzindo pro patrão, ir pra favela e ser servente de mansão.

          E é neste quadro deprimente que constatamos que, no Brasil, a maioria dos presidiários (algo em torno de 70%) não possui nem mesmo o ensino fundamental completo. Este é, com certeza, um dos nossos índices negativos mais alarmantes. Ele entope inclusive a boca daqueles que defendem a simples redução da maioridade penal como solução para as nossas mazelas. Afinal, não basta combater os efeitos, mas é vital que se extermine as causas. E embora a ineficácia do sistema prisional brasileiro não deva servir de justificativa para aqueles que defendem a teoria de que o professor deva ser o carcereiro desarmado e redentor das misérias geradas por esse sistema de desigualdades e exclusão, a solução é, inegavelmente, a educação. Mas quando ela será, de fato, a nossa grande prioridade?

          Entretanto, apesar da banalização do mal, devemos acreditar e lutar pelo bem. Afinal, a nossa democracia é tão jovem, que ainda clama por liberdade. Este clamor vai desde eleição direta para dirigentes de ensino até a democratização dos meios de comunicação, passando por uma profunda reforma política, judiciária e legislativa. Isto só para lembrar alguns pontos impregnados de vestígios de uma ditadura do mal ampla que sustenta o estado brasileiro desde os primórdios da nossa República.  Mas podemos começar investindo em nossas crianças, criando uma profunda reforma educacional que garanta uma educação de qualidade do Oiapoque ao Chuí. É notório que o país que investe em escola de qualidade gasta pouco com cadeia. Deixemos as celas apenas para os psicopatas e para os “colarinhos brancos” e finalmente começaremos a banalizar o bem.

 

 

Paulo Franco 


Texto Publicado na Revista Mais Conteúdo – Edição nº20 – novembro/2013 
http://jornalmaisnoticias.com.br/category/revista-conteudo/

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