A escola é, com raríssimas exceções, um matadouro. Primeiro mata a brincadeira. Depois, a fala. E em seguida a alma. Ela usa uma fórmula precisa que soma as ignorâncias às religiosidades, às ideologias de dominação, às bestialidades morais, filosóficas, sociológicas, fisiológicas e artísticas. O resultado desta matemática do mal em nome da reprodução das ideologias do sistema é fatal: o silêncio e/ou a estupidez. Se tomarmos como base a disciplina de Língua Portuguesa e Literatura, o nosso modelo de escola mantém a criança detida (em tempo integral ou não) por, pelo menos, doze anos, para que no final deste ciclo de reclusão ela receba um diploma esvaziado, já que, na maioria das vezes, sai sem saber nem mesmo quantos tipos de palavras possui a sua língua. É evidente que também não sabe o que cada tipo de palavra faz em sua própria cabeça quando tenta pensar. Para esta vítima escolar, a sintaxe não existe e as vírgulas são meras pausas casuais. O interessante é que qualquer filósofo de porta de boteco sabe que o bom domínio da língua materna é sinônimo de libertação. Outro dado relevante é o fato de que caso o curso fosse de açougueiro ou de algum profissional qualquer de frigorífico ou de matadouro, com toda certeza, os alunos saberiam quantos tipos de carne um boi ou uma vaca possuem. E saberiam diferenciar estes tipos de carne e inclusive saberiam o que o sexo dos bovinos influencia em sua qualidade.
O nosso matadouro, portanto e entretanto, não é físico. Ele é um matadouro de almas. Paulatinamente mata o sonho, a vivacidade, a esperança e a criatividade da maioria das crianças e dos adolescentes que serão salvos, via de regra, se tiverem uma família que aponte a possibilidade de outros horizontes de liberdade.
Ainda no caso da língua, a escola até que disfarça que ensina e quando dá errado, é o aluno que não aprende. Bem ou mal, o indivíduo acaba escrevendo alguma coisa e assim, os pais, que, muitas vezes, não concordam nem mesmo o sujeito com o verbo, ficam acreditando que os seus pupilos estão em uma escola. Porém, no caso da Literatura, na maioria das instituições, nem um mero disfarce ocorre. A escola consegue matar a poesia antes mesmo que ela seja sentida pela criança. Profissionais mal preparados executam cartilhas sem conteúdo e esquartejam os poemas e prosas que deveriam servir para encantar, mas que acabam servindo de inibidores da criatividade e do amaciamento destas tenras almas que depois passam a vida como icebergs da arte da palavra e mortas dentro de si. Infelizmente, a maioria dos professores de Literatura, sem saber, vira carrasco do lirismo, divulgador de autores mortos, genocida de grandes obras, “nóia” de almas infantis e acaba prestando um desserviço em nome da involução da espécie humana e em prol dos interesses de um sistema que propaga a dominação pelo esvaziamento do conhecimento acumulado pela humanidade através dos milênios.
É evidente que além da Língua Portuguesa e da Literatura, precisaríamos debater os crimes cometidos pela História mal contada, pela Geografia que não localiza, pela Matemática que não chega no “x” da questão, pela Filosofia quase ausente, pela Política que não há, pela Arte que não leva à criação e outras tantas, mas precisaríamos de muitas páginas. O fato é que o nosso silêncio nos coloca na condição de cúmplices de um crime inafiançável. Pois negar às novas gerações tudo o que o homem já descobriu e registrou através dos tempos é fazê-las repetir erros brutais e absolutamente desnecessários. E ponto final.
Paulo Franco
Texto Publicado na Revista Mais Conteúdo – Edição nº29 – dezembro/2014