A escola pública passa por uma crise bizarra. Recebe sapatos de ouro quando não possui os pés. A maioria das escolas não consegue caminhar e nós, educadores, somos as muletas. Muletas mórbidas que já não sabem ao certo se existem. Cumprimos uma sobrecarga brutal de tarefas e ainda somos acusados de negligentes pedagógicos. Somos obrigados por leis hipócritas a aprovar até mesmo os alunos que continuam analfabetos.  Sem contar que somos inspetores, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, seguranças e no caso dos diretores ainda são os Office-boys do desmanche. Em uma única frase, SOMOS OS DISFARÇADORES DO CAOS e consequentemente somos acusados de quase tudo por todos os lados.

          E é nesse colapso que os governos vão incluindo os alunos que necessitam de cuidados especiais. Agora querem acabar com as Apaes por absoluta incapacidade de exterminar as possíveis corrupções e se esquecem daqueles que necessitam dessa educação diferenciada. O que chamam de inclusão acaba se transformando em uma espécie de campo de concentração.

          Mas apesar dos crimes dos governos, sejam eles municipais (por exemplo, quando fazem relógio inócuo milionário no paço), estaduais (quando aplicam a aprovação automática com cartilhas vazias) ou federais (quando tentam destruir as Apaes), nós, trabalhadores da educação, cometemos pelo menos um crime inafiançável: somos CÚMPLICES DESTE ESTADO DE CALAMIDADE, digno de alarmar a ONU. A inclusão criminosa para baratear custos e a progressão continuada que vem destruindo as crianças, em especial, das camadas populares, são bons exemplos desta cumplicidade movida a letargia e silêncio.

          Nós não estamos percebendo que os furos desta peneira são infinitos e, às vezes, propositais. Grande parte dos funcionários já foram municipalizados, terceirizados e quarteirizados (embora alguns, por comodismo ou outros interesses escusos, adorem) e a justificativa é sempre o sucateamento promovido pelos próprios governantes.

          A escola pública está morrendo enquanto clama por um socorro emergencial e nossa saúde já não é das melhores. O nosso salário nunca esteve tão amarrotado e muitos educadores estão doentes e a gente continua esperando o convite para mais um velório de professor que pedagogicamente nos ensinará que silenciamos demais.

          Nós ainda não percebemos que somos parte do executivo da demolição do sistema. Executamos as ordens como CARRASCOS CEGOS que não sentem que matam por não verem a arma que manejam. Temos acatado quase tudo. Fechamos classes, demitimos professores, superlotamos as salas. Tudo isso sem nenhuma autoridade pedagógica ou disciplinar. No máximo discutimos em sala fechada diante da orelha do Dirigente, supervisores e assessoria. Este esbravejar apenas nos desgasta e desgastados somos acusados de loucos ou esquerdistas, até que nada que façamos faça sentido, inclusive a nós mesmos.

          Com esta atitude cometemos mais dois erros: o primeiro é que todos os crimes que vemos não chegam devidamente aos pais, alunos, imprensa e sociedade em geral. O segundo é que os “desabafos” nas reuniões já estão previstos pelo sistema como “válvulas de escape” para a pressão não atingir os governos.

          E ainda há quem se pergunte sobre as razões de ninguém mais querer ser professor em meio a tanto desprestígio profissional e moral, escolas desestruturadas, salários sordidamente baixos, rotina exaustiva, descrédito social, ausência de plano digno de carreira, meritocracias vazias, dentre tantas outras mazelas.

          Um país que é quase um continente, que já é uma das maiores potências planetárias não poderia negligenciar a sua educação a esse ponto. Já se fala em importação de médicos porque as nossas taxas de mortalidade nas portas das UPAs e outros disfarces são dignas de terceiro mundo. Entretanto, a educação já morreu faz tempo e quase ninguém viu. Crianças, jovens e adultos caminham como zumbis diplomados, exércitos de mão de obra barata, que disfarçam os índices de analfabetismo para agradar os Organismos Internacionais. Importaremos professores também? É bem provável. Afinal, nós, os últimos professores sobreviventes, já estamos falando grego.

          Devemos dar um basta! Não podemos mais aceitar tanta humilhação e descaso. Nestas condições o nosso trabalho nem vale tanto a pena. Temos que usar a nossa função, a nossa formação e o nosso poder de inserção social para gerar ações concretas, resultados práticos para a escola, para a sociedade, para nossas vidas e para a nossa profissão. Temos que dizer não aos pedagogismos rampeiros e às corrupções visíveis e invisíveis na educação.

 

 Paulo Franco         

 

Texto Publicado na Revista Mais Conteúdo – Edição nº17 – agosto/2013 

 

 

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