“Esse silêncio todo me atordoa

Atordoado eu permaneço atento

Na arquibancada pra a qualquer momento

  Ver emergir o monstro da lagoa.”    

 (Chico Buarque de Holanda)

        

         Às vezes, a gente faz silêncio porque não quer mesmo saber de barulho. Esse silêncio é salutar, ele não atordoa, é propício para meditarmos sobre as tormentas que envolvem a existência e nos leva à calmaria interior adocicando o nosso coração.

      Porém, há um outro tipo de silêncio, mais profundo, quase irônico, que indica letargia, aceitação. Esse é o silêncio que aliena, é um calar por convicção, é um silêncio de medo, é um não querer determinado pela ausência do desejo da fala, é o resultado da consciência de que nem mesmo o grito solucionaria as mazelas que vemos, que sentimos diante de tudo o que nos impõem, como se antagonicamente o excesso de dor gerasse a sua ausência para amenizar o insuportável destas aflições.

          E é muito fácil percebermos que depois da queda do muro, que relativamente, mais ou menos, dividia a ideologia do mundo ao meio, acabamos virando meio coisa nenhuma, meio sonsice, meio uma gosma sem lado, sem sonho, sem perspectiva. E embora inteiramente avessos a essa coisa imunda e quase una que é a globalização, que vem exterminando os direitos básicos do cidadão comum, como se fosse a reedição da escravidão em uma idade média com máscaras de democracia e roupagens tecnológicas, continuamos ainda assim meio sem fala, meio vitimados por um silêncio crônico, como se temêssemos a Santa Inquisição do excesso de informações que nos colocam na lista dos que serão remodelados pelas intermináveis reciclagens que o sistema determina-nos, como se um lixo qualquer fôssemos. Lixo sustentador de luxos. Lixo que triturado, vira sempre uma outra coisa no dia seguinte, uma outra coisa que nunca tem o tempo para se identificar. E é essa política que gera o silêncio da descaracterização das nossas personalidades e dos nossos sonhos de transformação.

          O engraçado (ou o triste) é que sempre há uma dinâmica nova para exterminar as nossas bases morais, psicológicas e, em especial, as ideológicas. E não interessa a reação que se tenha diante das premissas verdadeiras em cada “brincadeirinha” que inventam para nos socializar e facilitar a digestão, em massa, das linhas de produção. Há sempre um resultado falso para nos ridicularizar diante do coletivo. E na maioria das vezes, os próprios vitimados vitimizam o desgraçado ao lado. E riem quase todos e são risos hiênicos, como se o riso os absolvesse dos olhares taciturnos das chefias, seja nas fábricas, nas repartições públicas, nas igrejas, nos partidos ou nas escolas. Um grande poder invisível brinca com as nossas cabeças e emoções. E tem dinâmica com bolinha de sabão, com cordinha amarrada no tornozelo, com cordinha amarrada nas mãos, bunda com bunda, nariz com nariz. E há dinâmica com todos descalços, dinâmica aeróbica, dinâmica com música e dinâmica de silêncio.

          O resultado final é que a culpa é sempre nossa. Ou nós nunca estamos atualizados o suficiente, ou não estamos socializados o suficiente, ou não entendemos o espírito do empregador o suficiente. Em síntese, nunca somos o que esperam de nós o suficiente. Querem sempre mais e nos valorizam sempre menos. Haja Síndrome de Pânico, de Burnout e outras depressões!!!

          E do lado de fora das fábricas e dos governos que terceirizam e quarteirizam e quinteirizam a vida humana para baratear os custos de uma produção excessiva, executada por uma mão de obra cada vez mais desvalorizada, com jornadas desumanas que aproximam grande parte destes trabalhadores dos antigos campos de concentração, já que muito pouco ou quase nada recebem do que produzem, muito pouco ou quase nada conseguem ver as suas famílias, muito pouco ou quase nada têm de dignidade durante as suas parcas vidas, seja no transporte, no lazer, na educação, no descanso, na qualidade de suas pobres existências que não lhes garantem cidadania. E entristecidos, desesperançados, são vitimados por um silêncio de gado e novamente são reciclados para perpetuarem a geração de riquezas que não possuirão jamais.

“Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta?
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta.”  

(Chico Buarque de Holanda)

Paulo Franco

 

Texto Publicado na Revista Mais Conteúdo – Edição nº24 – março/2014 

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