Dentre as tantas hipocrisias que adornam o atual modelo de educação, a obrigatoriedade do cumprimento dos 200 dias letivos é, possivelmente, uma das mais nocivas e criminosas para um processo de formação de qualidade. Para entendermos com a devida precisão, precisaríamos imaginar uma linha de produção onde, apesar de estar apresentando defeitos inutilizadores em suas peças, fosse impossível parar o processo de fabricação para sanar o foco gerador dos problemas.
Comodamente, como em outros temas polêmicos em nossa sociedade, silenciamos em bloco. O calendário de 200 dias não permite tempo qualitativo para reuniões de pais e os pais silenciam. Não permite reuniões verdadeiramente pedagógicas e os professores silenciam. Não permite que a escola, como um todo, se organize e os diretores silenciam. Não permite um contato efetivo entre as partes envolvidas nos esboços de projetos e a supervisão silencia. Não permite que a nossa linha de produção produza cidadania com atuação plena dos conselhos de escola, APM, grêmio estudantil e convenientemente o governo silencia.
E escravizados pela ditadura do tempo, muitos diretores escandalosamente burlam as leis (com boa intenção) e inventam atas de reuniões que nunca existiram, conselhos de classe sem professores e alunos, balanços financeiros daquilo que ninguém viu e grêmios que só existem no papel. Enquanto isso os pares executam um silêncio cúmplice assinando a legalização do nada e os supervisores fazem pose de mal, disfarçando suas ineficácias e determinando o cumprimento de horários fantasmas até o final de dezembro, mesmo cientes de que os alunos, aprendizes da transgressão, já não comparecem desde novembro.
E aí vivenciamos aberrações como formaturas executadas antes de conselhos de classe, recursos de alunos retidos que acabam aprovados porque a escola não tem sustentação jurídica e para adornar esta panaceia vemos avaliações finais forjadas pelo próprio governo que vincula o parecer sobre a qualidade pedagógica apresentada pela escola aos critérios que serão levados em conta para o momento de se ratear o bônus mérito, qual um suborno governamental, como se fundamental fosse o nosso endosso para o mundo ver uma escola de qualidade total inexistente. E o pior é que encurralados pela miséria profissional, financeira e sindical, endossamos.
Não sei se de fato o vocábulo hipocrisia é suficientemente capaz de representar esta pantomima.
Prof. Paulo Franco